quarta-feira, 29 de outubro de 2014

É a intolerância que atravanca o progresso

Quem já está aí pela faixa dos 40 anos, ou mais, certamente se lembra desse bordão que bem ilustrava na época o estereótipo de uma elite pretensamente culta e letrada, mas, em verdade, ignorante e corrupta: "É a ignorância que atravanca o progresso".
Esse bordão hoje, devidamente atualizado ou "repaginado", parece ceder lugar à sentença acima, que dá título a esse texto.
Nos dias que correm, mesmo depois de tantos investimentos em educação, distribuição de milhões de livros às escolas públicas do país e demais incentivos do governo federal, bem como também ações de alguns poucos governos estaduais e municipais mais progressistas, a "ignorância" continua sendo uma praga endêmica e um entrave ao pleno desenvolvimento do país.
Mas o que estorva mesmo, de forma paralisante, é a intolerância (essa filha bastarda da ignorância) de certa parte de nossa elite e de nossa classe média mais conservadora. Ressalte-se que escrevi "parte de nossa elite e da nossa classe média". Pois, é bom que se faça justiça e não se tome parte pelo todo, pois boa parte da nossa elite e da nossa classe média constitui-se de pessoas bem educadas, esclarecidas, humanistas, tolerantes, respeitosas e respeitáveis, e de bem com a vida.
Sim, vale repetir e asseverar, à guisa de precário diagnóstico: a intolerância é cria bastarda da ignorância.
Só um ignorante, aquele que ignora a essência das coisas do mundo, para além das sombras da caverna, das manifestações e fenômenos do conhecimento, da cultura universal, da História, da Economia, da Política, da Filosofia, da vida enfim, seria capaz de manifestar, sem o menor pudor ou vergonha, as diatribes e preconceitos pavorosos que foram publicados nas redes sociais contra o Bolsa Família – ou seja, contra os pobres –, contra os nordestinos e contra os petistas.
Vamos, por partes, de forma esquemática, para não nausear, ou mesmo cansar, o estimado leitor, estripando (ou extirpando) as vergonhas desses pobres ignorantes em público.
Pergunto: por que condenar o Bolsa Família?!
Ato contínuo, arriscaria resposta possível: por ignorância. Simples assim.
Só um ignorante, um mal-intencionado ou um perverso, um sádico poderia condenar, de forma tão preconceituosa, gratuita e agressiva, um programa que é reconhecido e elogiado por diversos sociólogos, economistas, diversas autoridades, estadistas e também, diga-se, por organismos multilaterais. Gente que, certamente, nunca leu algo sobre "renda básica de cidadania" [salve, Suplicy!] ou "rendimento de cidadania" – pois essa garantia de uma renda mínima/básica existe em diversos países civilizados, cada qual batiza de uma maneira (até mesmo em países onde a desigualdade social não é tão gritante e vergonhosa como é aqui no Brasil). No Brasil, aliás, é vexatória.
Só mesmo gente que não procura entender sequer o "bê-á-bá" da Economia e, em face disso, não tem a mínima noção dos virtuosos efeitos multiplicadores que essa ação do Estado, ou "o Bolsa", como é chamado por aqueles que lhe tem respeito e carinho, proporciona na vida das pessoas, na economia e na sociedade.
Preconceito contra os nordestinos?! Ignorância. Xenofobia "fora de lugar", visto que um concidadão originário de outro estado não é um estrangeiro. E mesmo que fosse. Injustificável. Abjeto. Sem sentido.
As qualidades e os méritos de um povo não se justificam ou medem com o esquadro do seu enquadramento geográfico, num infame e suposto mapa de segregação, onde os bons, os "eleitos" estão de um lado, e os ruins ou os "desgraçados", no outro. Quem nasce no Sul tem o mesmo valor e os mesmos direitos de quem nasce no Norte, no Nordeste ou no Sudeste.
Somos todos humanos, apesar do caráter aparentemente desumano de alguns encastelados confortavelmente no topo da pirâmide.
Por vezes, o que é cristalino para uns é invisível diante da cegueira de outros. E o que causaria essa "cegueira"?
Só mesmo o crescimento regional desequilibrado e segregacionista do passado poderia, a princípio e apenas em tese, explicar, aclarar, mas não pode justificar jamais, tamanha soberba de uns e descabido preconceito de outros.
Mas, agora, e creio que isso já é de conhecimento de muitos, alguns estados no Nordeste crescem e se desenvolvem até mais que estados do Sul ou do Sudeste. Agora, você deve também saber, o fluxo migratório se inverteu: são os paulistas que buscam oportunidades de emprego em Pernambuco, na Bahia e no Ceará. Mas, ao menos que eu saiba, baianos, pernambucanos e cearenses não demonstram ter qualquer tipo de preconceito contra paulistas. Ao contrário, até os recebem com a hospitalidade e urbanidade própria dos nordestinos.
Preconceito, que chega ao ódio, à exasperação, à histeria contra os petistas?! Injustificável. Injusto. Mais um fruto apodrecido da ignorância.
Como é possível um cidadão, ciente e cioso da história contemporânea do Brasil, ter "ódio" do Partido dos Trabalhadores?! Ódio?! Por quê?! Não faz o menor sentido! A não ser pela campanha negativa massiva dos grandes veículos de imprensa, nitidamente contrários a esse partido – a despeito de seus inegáveis e eventuais erros, que em nada diferem dos erros cometidos pelos demais, mas nem por isso o redime, tampouco o condena em definitivo.
O PT teve um papel fundamental, de modo inequívoco, inquestionável, nos últimos 35 anos da nossa história, na luta por um novo sindicalismo, nos embates e debates pelos direitos dos trabalhadores organizados – mas também na luta pelos desassistidos, nas demandas dos sem terra, dos sem-teto, dos aposentados etc.
Chamar os petistas, de forma histérica e injustificada, exagerada, repito, de "ladrão", "bandido" e outros epítetos desrespeitosos parece-me rematado exagero ou equívoco, nem sempre calculado.
Assustou-me assistir a um vídeo no qual uma jovem (uma moça de uns vinte e poucos anos), com indisfarçável exasperação, na passeata realizada em SP a favor do candidato Aécio Neves, dizia e repetia que "a coisa que ela mais tem ódio na vida é o PT". Como assim?! Por quê?!
Onde já se viu?! Um senador, disputando a Presidência, chamar uma presidente da República, num debate ao vivo na TV, de "mentirosa" – e por 3 vezes seguidas! – e depois de "leviana". Mentirosa todo mundo sabe o que é, já leviana...
Onde já se viu?! O candidato da oposição, também em um dos debates, de modo desbragadamente agressivo e arrogante, dizer que a presidente teria que procurar emprego a partir do dia 02 de janeiro do próximo ano, porque estaria, também ela, desempregada?!
Onde já se viu?! Agredir com ofensas verbais impublicáveis, e, insisto, de maneira histérica, o jovem prefeito eleito da maior cidade do país, na hora em que este se dirigia à sua cabine de votação no dia da eleição?!
Onde já se viu?! Dirigir-se, com ofensas e impropérios, ao governador da Bahia, tentando expulsá-lo de um restaurante em que jantava, com sua esposa e enteado, no "elegante" bairro dos Jardins em São Paulo. Quanta deselegância! Não se respeita nem a privacidade e uma sagrada reunião em família de uma autoridade constituída, democraticamente eleita?
Onde já se viu?! Uma jovem "jornalista" vociferar impropérios dirigidos aos pobres e aos nordestinos, num vídeo que "viralizou" na internet e nas redes sociais? Redes sociais ou antissociais?
É essa a democracia que desejamos construir?
É essa a civilização que desejamos erigir?
Não lhes parece, honesta e sinceramente, um comportamento autoritário e intolerante que nos aproxima, perigosamente, das injustiças, aberrações e atentados aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana perpetrados pelo nazifascismo e outros regimes totalitários?
Não deveríamos todos ter vergonha por agirmos assim dessa maneira?
Por isso, insisto aqui, novamente, por uma reeducação dos espíritos para o humanismo e para a civilidade.
Vamos, todos, procurar refletir um pouco mais, antes de agir de modo intempestivo, impensado, irracional.
Vamos, todos, buscar refrear/reprimir os nossos impulsos primevos, inconfessáveis, criminosos.
Vamos, todos, lembrar e louvar/exaltar conceitos como SOLIDARIEDADE, FRATERNIDADE, AMOR AO PRÓXIMO, COMPREENSÃO, COMPAIXÃO etc.
Exorto aos meus colegas escritores e jornalistas (notadamente os colunistas da grande imprensa, mas também os blogueiros), aos educadores, aos artistas, aos padres, pastores e demais líderes espirituais, aos promotores, juízes e magistrados, que nos ajudem, cada qual na sua tribuna, nessa reeducação para a cidadania por intermédio dos valores essenciais e fundamentais do Humanismo.
Antes que nos tornemos, em definitivo, apenas um ajuntamento de bestas-feras, incontroláveis, que agem por impulso, em meio à violência, à barbárie e ao caos.

Lula Miranda

Poeta, cronista e economista. Publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa e Fazendo Média

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