domingo, 26 de janeiro de 2014

O rolê da inclusão

 

Em uma edição de um dos primeiros dias de janeiro,  li, em uma manchete do Globo, que os destaques do ano que se inicia, no Brasil, seriam a Copa do Mundo, as eleições e a volta das manifestações de rua.
Interessante notar que, nessas três “previsões”, duas já eram favas contadas: a Copa do Mundo vai mesmo acontecer entre nós e as eleições – apesar dos desejos golpistas que nunca deixam de aflorar – estão garantidas. Mas a terceira é curiosa: a mídia aposta que vai haver manifestações de rua e trabalha no sentido de que isso ocorra. É nítido esse desejo, ou essa torcida, que extraímos do verdadeiro mantra dos especialistas políticos de plantão, pautados pela grande mídia, que é grande, é claro, no sentido dos seus tentáculos oligárquicos, mas pequena, muito pequena, quando reduto do verdadeiro jornalismo. 
Os três assuntos merecem observações, convidam a reflexões. Mas a Copa e as eleições podem esperar um pouco,  e o caso das manifestações é atualíssimo:  um tipo delas anda frequentando o noticiário quase diariamente, tendo a semântica política ganhado um novo componente , os “rolezinhos”.
Antes de entrar nesse assunto específico, vale uma recapitulação dos fatos que marcaram o último mês de junho. É claro que esse rememorar corresponde à minha ótica sobre eles, que, lógico, pode não coincidir com a de outras pessoas. Mas isso faz parte da atenção que cada um dedicou aos episódios e também da forma como cada um os interpretou,  segundo sua visão do mundo.  Afinal, a ideologia, tão execrada por alguns, está sempre presente nos nossos juízos de valor e, felizmente,  não morreram os confrontos ideológicos, a despeito de tentativas globalizantes no sentido contrário.
Pois bem. O que aconteceu em junho? A meu juízo, uma reivindicação de um grupo de jovens de esquerda, do chamado Movimento do Passe Livre, que tinha como tônica o combate ao aumento das passagens de ônibus, foi sendo alimentado pelas redes sociais, incorporando gradativamente outros segmentos, ainda predominantemente jovens. A mídia – sempre atenta ao que considera boas oportunidades golpistas – serviu de amplificador para as manifestações, quem sabe esperando a derrubada de poderes estabelecidos. E a classe média branquinha deste país foi para as ruas, acrescentando, de forma oportunista,  às reivindicações iniciais,  uma  “indignação festiva”, que tinha como alvo não mais os governos dos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas o Governo Dilma.  “Indignações festivas” foram a receita ideal para colocar nas ruas muita gente que não sabia nem por que estava ali. Lembro-me de uma reportagem do próprio “Globo” que, ao entrevistar uma jovem que carregava um cartaz contra a “PEC 37”, perguntando-lhe sobre o porquê do cartaz, ouviu como resposta um pedido de socorro à colega do lado. Ela não sabia o que era a PEC 37...
Tudo parecia correr muito bem para o pessoal que não consegue engolir a inclusão social. Eles tiveram – em um Maracanã elitizado e também embranquecido – a oportunidade de vaiar Dilma, na impossibilidade de retirá-la do poder a que chegou pelo voto de uma maioria de brasileiros sem acesso àquele espetáculo “popular”.  
Nessa oportunidade, escrevi aqui do DR uma coluna, disponível para quem quiser ler, intitulada “Quem não sabe brincar não brinca”, tentando mostrar que as coisas  não seriam tão fáceis quanto imaginava a eufórica mídia, àquela altura também embevecida com os rumos do julgamento do assim chamado “mensalão”.  Para ser honesto, o que eu imaginava então ainda não aconteceu. Há segmentos que conhecem bem as campanhas de rua que não apareceram ainda...
Mas – deixando de lado aqui as medidas tomadas pelos governos envolvidos, algumas de atendimento aos pleitos -, o fato é que outros atores foram brincar no teatro das ruas e os brasileiros assistiram, por um lado, aos grupos anárquicos radicais que partiram para a depredação de ícones do sistema – bancos, lojas de grife, prédios oficiais -,  e por outro, a um aparelho policial tão truculento quanto incoerente em suas ações, onde não faltaram posturas para lá de suspeitas...   Aí, tanto a midia quanto o pessoal “coxinha” das manifestações tiraram o time de campo, ou melhor, das ruas.
De lá pra cá, há um nítido trabalho de perseguição aos “Black bloks” – uma tentativa de “limpar as ruas” para o desfile da hipocrisia, de afastar o “perigo” para permitir as novas “procissões” que exorcizem Dilma e construam a eleição de seus opositores.
Eis que surgem os jovens do “rolezinho”, essa turma de “diferentes”, de “periféricos”, que, aproveitando o processo inclusivo da internet, querem mais e mais inclusão, não nas ruas, mas nos shoppings, esses templos de consumo frequentados “pelas famílias brasileiras”.  É a tal história: “Quem não sabe brincar não brinca”...   Ainda vamos ter muita discussão sobre esse assunto. É claro que, entre os participantes do “rolezinho”, podem estar alguns jovens com intenções pouco honestas. Mas o que não se pode é desqualificar as manifestações e deixar de perceber como esses episódios vêm deixando claro que ainda estamos bem longe da supressão das grandes desigualdades nacionais, dos preconceitos absurdos reinantes e da concepção do problema social como um problema de polícia. E também deixam à mostra como é difícil para os beneficiados de sempre abrir mão dos seus privilégios de elite... 
Muita coisa tem sido feita para minimizar as perversas diferenças históricas entre os ricos e os miseráveis deste país. Mas, à medida que se faz algo, é natural que se queira mais. E aí de quem pensar que esse processo pode andar para trás. Mas esse é outro assunto e tem a ver com as eleições que vêm aí. Fica pra depois...

Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.

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