segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Ingenuidade ou amadorismo do PT?


Berna (Suiça) - Carlito Maia não está vivo e assim se poupa de ver os líderes do PT levados a Papuda, num momento em que o Judiciário, dirigido por um autocrata, esmagou o Executivo, no maior silêncio. Carlito foi um dos maiores entusiastas fundadores do Partido dos Trabalhadores e, publicitário de grande criatividade, foi o criador do slogan – Lula Lá.
Porém, antes do choque de ver presos os líderes do seu partido, Carlito já teria se decepcionado com os rumos tomados pela política brasileira depois que Lula e Dilma chegaram lá. Vibrante, cheio de vida, não era de café com leite e nem de água morna, e naturalmente teria esperado, além do crescimento do país que diminuiu a desigualdade social, as reformas políticas básicas que eram bandeiras de sua geração, frustradas com o golpe de 64.
Seria leviano argumentar que Lula ou Dilma poderiam ter agido de maneira diferente, pois a chegada do PT ao poder em 2002 não coincidia com a obtenção de maioria parlamentar, o que exigiu uma estratégia malabarista para poderem governar. Mas a aplicação de uma tática pragmática de concessões, aceita pelo Partido, foi aos poucos comprometendo o projeto inicial. E hoje o balanço parece negativo: em lugar do PT ter se fortalecido e driblado seus opositores, se enfraqueceu e mesmo perdeu em credibilidade junto à população, caindo finalmente numa arapuca ardilosa e pacientemente montada pela oposição contando com o apoio da grande mídia.
Teria sido possível prever o surgimento de um STF super-vitaminado, dirigido por um incontrolável presidente metido a justiceiro, capaz de induzir e forçar os demais ministros a, na falta de provas, adotar o princípio sui generis do dominio do fato, desconhecido nos outros países, para lavrar a condenação e, de maneira quase violenta, colocar todos na prisão com uma rapidez nunca ocorrida ?
Talvez. Durante o julgamento do processo de extradição do italiano Cesare Battisti, outro presidente do STF, Gilmar Mendes, quis passar por cima de decisões do Executivo. Um Executivo, diga-se de passagem dividido e contraditório.
A CONARE, órgão ligado ao Ministério da Justiça que cuida da concessão de refúgio, ali representado pelo ex-ministro Luiz Paulo Barreto, votou contra o refúgio abrindo as portas para a extradição de Battisti, em total desacordo com o então ministro da Justiça Tarso Genro, que no momento se encontrava em Paris.
A situação que poderia ter sido facilmente solucionada exigiu, a seguir, uma decisão do ministro, rejeitando o voto da Conare, e concedendo o refúgio ao italiano, ao mesmo tempo que pedia a libertação do italiano preso na penitenciária da Papuda.
Ora, de maneira surpreendente, Gilmar Mendes praticamente invalidou a decisão de Tarso Genro, subvertendo o equilíbrio dos três poderes. O jurista Dalmo Dallari e outros consideraram medida absurda, pois o STF desafiava uma decisão do Executivo e se apropriava de uma área sobre a qual, normalmente não tinha competência. Exceto a reação do ministro Tarso Genro, o Executivo deixou passar o abuso, ou seja, deixou que ele se validasse e outra tentativa maior ocorreu logo depois.
Isso porque o STF decidiu julgar, dando preferência a um pedido da Itália sobre a decisão do ministro Tarso Genro, a extradição ou não de Battisti. E Gilmar Mendes conseguiu sair vitorioso. Porém, a Constituição prevê caber ao presidente da República dar a última palavra. Ora, o que ocorreu?  Gilmar Mendes queria impor a decisão do STF sobre o direito do presidente Lula. Nessa época, o ministro Barbosa, nem sei se votou a favor ou contra Battisti, pois vivia em licença de saúde por dores nas costas, das quais parece ter se curado ao julgar o chamado mensalão.
O outro episódio se refere ao relacionamento do governo com a grande mídia dominante de direita e principalmente o quase monopólio nacional da televisão Globo. Muita gente de esquerda advertiu a presidenta Dilma quanto ao risco representado por essa força midiática, que reproduzi aqui neste espaço. Mas ela não teve a mesma coragem de uma Cristina Kirchner, ao contrário, sempre privilegiou suas relações com os responsáveis pela distribuição de verbas Helena Chagas e Paulo Bernardo, marido de Gleisi Hoffman, da Casa Civil.
Ora, não é preciso citar o poder de Goebbels nem aos livros de Marshall McLuhan para se avaliar o poder de penetração dos meios de comunicação na criação de opiniões. Na época, falei mesmo num financiamento da mídia de direita pela presidenta Dilma, acometida ao que parecia de um problema de automasoquismo.
E não deu outra. Já em 2005, toda a imprensa corporativa havia tentado fomentar um golpe contra Lula e, oito anos depois, consegue decepar a liderança do PT. Isso era mais que previsível, por que não se criou, nesse meio tempo, um antídoto à peçonha da grande mídia ? Por que os pequenos jornais de esquerda e rádios comunitárias foram abandonados em favor de contribuições indiretas à grande imprensa de direita, como se o governo tivesse medo de mexer com ela ?
E agora José, como diria o poeta ? O STF foi mais forte que o Executivo, a grande imprensa usou de todos os meios para demoralizar o Partido, e o distancimento de Lula e Dilma desse olho do furacão não vai livrá-los das consequências. Um exemplo, foi a maneira como as redes sociais reagiram endeusando o Javert do STF e isso ao nível popular, um efeito dominó que poderá comprometer a reeleição de Dilma, tendo como concorrentes Joaquim Barbosa, Marina e o homofóbico evangélico Feliciano.
Ao que levou o caminho das concessões? Ao fortalecimento dos donos do agronegócio contra os indígenas, ao favorecimento da Monsanto e seus OGM, à frequência de líderes de direita corruptos e comprometidos no passado com a ditadura, à uma política da emigração ridícula e absurda.
Li nestes últimos dias, daqui de longe os comentários de colegas de esquerda e do próprio PT, Paulo Henrique Amorim, Alípio Freire e Valter Pomar e termino com o título de um deles, porque em todos, com matizes ligeiramente diferentes, acentuando um ou outro aspecto mais que os outros, existe essa constatação de que o PT de hoje não é o mesmo com o qual sonhava Carlito Maia e tantos outros fundadores. E a hora é de reagir, “antes tarde que tarde demais”.

Rui Martins, Direto da Redação

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