segunda-feira, 29 de julho de 2013

Protestos não ajudarão direita, diz brasilianista


Segundo o professor Timothy Power, da Universidade de Oxford, “Dilma está mais fraca”, mas isso não melhora as chances eleitorais de nenhum dos seus adversários


A agenda dos brasileiros tornou-se “pós-materialista”, afirma Timothy. Questões ligadas à “sobrevivência física e econômica são menos importantes no Brasil atual”Dos acadêmicos estrangeiros que adotaram o Brasil como objeto de estudos (os chamados “brasilianistas”), o cientista político Timothy Power está entre os mais ativos. Nascido nos Estados Unidos, mas há sete anos residindo na Inglaterra, ele dirigiu entre 2008 e 2012 o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Oxford, no qual continua coordenando o programa de estudos brasileiros. Seu interesse pelo país, onde faz pesquisas desde 1990, se faz sentir na fluência com que fala português, com um sotaque bastante discreto.

O Congresso em Foco encontrou Timothy por acaso, ao fim da tarde da última quinta-feira, no Senado. De saída de uma reunião no Instituto Legislativo Brasileiro (ILB), com o qual organiza um seminário sobre “presidencialismo de coalizão”, a se realizar em setembro, ele topou conversar sobre o significado das manifestações que ganharam as ruas brasileiras e o impacto que elas podem ter nas próximas eleições.

Apesar da ligeireza da conversa (pouco mais de 20 minutos), o pesquisador fez algumas observações dignas de atenção. As mais interessantes dizem respeito ao impacto eleitoral dos protestos populares.

Na sua opinião, “forças conservadoras não vão se beneficiar” dos protestos. O que vale, no seu entender, tanto para a direita mais radical quanto para nomes como o do senador Aécio Neves (PSDB-MG). Já Marina Silva lhe parece “quase o suficientemente distante” do sistema político que as ruas repudiaram, “mas nem tanto”. Sua conclusão: “A posição da Dilma está mais fraca, mas a insatisfação não está beneficiando nenhum ator politico”. Para ilustrar a ideia, Timothy Power recorre à língua nativa: “We can’t beat somebody with nobody [você não pode derrotar alguém com ninguém]”.

O pesquisador atribui os protestos a uma reação generalizada contra os políticos e à insatisfação com a qualidade dos serviços públicos, fenômeno em que enxerga um forte componente geracional – uma nova leva de brasileiros, muitos nascidos depois da adoção do real (1994), estão “encantados” com uma “novidade”, a possibilidade de participarem da vida política e se fazerem ouvir. Ele considera baixa a influência da situação econômica no que alguns passaram a chamar de “jornadas de junho”.


E critica o PT. “Acho que o PT continua pensando nas ferramentas do passado. Por exemplo: vale mais uma CUT ou uma conta do  Twitter hoje? Para mobilizar, acho que é a conta do Twitter, né?”, diz ele, ao mesmo tempo perguntando e respondendo, com um suave sorriso estampado entre os lábios.

Seguem os principais trechos da entrevista.

Pelo que o senhor conhece do Brasil e pelo que tem visto nas últimas semanas, pergunto: o que, na sua opinião, está acontecendo no país?

Vemos uma insatisfação, um conjunto de manifestações que não são partidárias, e o que salva um pouco a presidenta é que a oposição não é direcionada contra a Presidência da República nem contra o governo, é uma coisa mais generalizada. Mas acho que o PT continua pensando nas ferramentas do passado, né? Por exemplo: vale mais uma CUT ou uma conta do  Twitter hoje? Para mobilizar, acho que é a conta do Twitter, né? Mas essas redes sociais facilitam a mobilização instantânea, que elas tornam muito fácil, mas a longo prazo ou mesmo no dia seguinte você não tem capilaridade porque não tem um mecanismo aglutinativo para continuar a mobilização. Nisso aí os movimentos mais tradicionais, os partidos, os sindicatos e o PT ganham. Então, mobilização permanente e temporária são duas coisas bem diferentes, né? Mas as pessoas estão encantadas com a mobilização temporária que se vê nas ruas, porque é novidade. É coisa geracional. Desde 92, com o impeachment do Collor, não se teve nada parecido e antes disso foi 84 com as diretas já. É uma coisa um pouco cíclica. Essa geração… tem muita gente protestando que nasceu depois do Plano Real, é um outro Brasil. É a primeira vez que eles participam…

Na sua opinião, o alvo central dos protestos seria o governo, seriam os governantes, neste caso mais em geral, seria a situação econômica ou seria algo ainda mais amplo, uma repulsa geral às instituições, a tal crise de representatividade?

Acho que são duas coisas. Uma reação contra a classe política de modo geral, acho que aí não poupam ninguém. E também uma insatisfação com a qualidade  dos serviços públicos. Muita gente lá fora, no Financial Times, no New York Times, estão tratando isso como se fosse resultado da desaceleração da economia. Acho que isso tem alguma coisa a ver, mais não muito. Eu acho que o povo não sente o pibinho como antes, o povo sentia o pibinho muito mais no final dos anos 90. Um ponto a mais de inflação ou um ponto a mais de desemprego ia matar o Fernando Henrique. Mas com o salário mínimo de hoje e a bolsa família de hoje, essas oscilações são menos importantes para o poder de consumo. O que se teve no Brasil foi uma revolução de consumo, o consumo não para… como que é credit bubble em português? Isso. Bolha de crédito.  Não para de crescer… mas  eu acho que é mais uma agenda de qualidade de vida, né? Fora do Brasil, as pessoas também estão perguntando: o que que aconteceu no Brasil? Teve uma crescente inclusão social nos últimos dez anos. Isso não deveria levar a menos protestos em vez de mais protestos? E é justamente o contrário, né? Porque as pessoas têm outros critérios comparativos. Hoje, elas aplicam critérios muito mais severos, querem mais qualidade. Trazem uma agenda que na ciência política a gente chamaria de pós-materialista. Quando a gente é materialista, pensa em emprego, inflação, sobrevivência física e econômica. Isso é menos importante no Brasil atual do que há 15 anos.


Mas as pessoas não estão tratando exatamente de questões materiais quando falam em saúde , educação, transporte, segurança publica? Todas essas coisas não têm uma dimensão materialista?

Eles foram incluídos nesse sistema, mas não gostam da qualidade dos serviços. O que o Brasil teve foi acess reforms [reformas de acesso]. Acesso às universidades, acesso ao SUS, acesso às ruas e estradas com carros, acesso aos aviões. Mas o acesso não resolve, né? Os números são impressionantes quando se conta o acesso, mas é a qualidade que estão reclamando. O cara pode comprar o primeiro carro da vida dele, mas ele não tem onde dirigir ou estacionar.

O senhor estava falando em salário mínimo. O salário mínimo brasileiro está em duzentos e tantos dólares…

Trezentos dólares. Passou de trezentos.

Tá bom. Mas isso não é nada para uma família com quatro pessoas que vá ao supermercado fazer a compra de mês, não é? Para comprar alimento, para pagar o básico do básico, o salário  mínimo brasileiro não está tão alto, se considerarmos os preços vigentes no Brasil. O país é muito caro. Será que esses protestos teriam ocorrido com a dimensão que têm ocorrido se a situação econômica fosse outra, ou seja, se a Dilma tivesse entregue o PIB e os investimentos que ela prometeu e não conseguiu entregar?

Eu tenho minhas dúvidas se esses protestos foram motivados pelo desempenho econômico do Brasil. Eu acho que isso é coisa de menor importância. Eliane Cantanhede publicou um artigo anteontem [na Folha de S. Paulo] em que ela fala assim: o pibinho tirou oito pontos da popularidade da Dilma, mas os protestos tiraram 27 pontos a mais. Isso dá um pouco a proporção…


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