terça-feira, 18 de setembro de 2012

Supremo réu

 
HEL ARBACHE        
Se você achou que o título é referência a José Dirceu na Ação Penal 470 do STF, o “mensalão”, pensou certo. Mas te convido para outra lógica que dará caráter dúbio ao mesmo
Nos últimos dias, o que se percebe no ar a partir da velha mídia é que, aconteça o que acontecer no julgamento do "mensalão", tudo será em vão se não acontecerem duas coisas: 1- José Dirceu não ser condenado e 2- não ficar patente, ao final do julgamento, que houve compra de votos de parlamentares. Mas a mídia – com seus especialistas de plantão – já deu o veredicto e para ela inexiste a possibilidade de outro resultado. A dúvida que fica no ar é a seguinte: por que a mídia se arriscaria em emitir um "parecer" que poderá contradizê-la – dando, assim, um atestado de incompetência aos seus "especialistas" e enfraquecendo ainda mais sua credibilidade já tão combalida?
Evidente que o jogo é outro. Ao apostar tudo na condenação de José Dirceu junto com o "mensalão", a mídia não incorreu em risco algum. Pois na visão dela, qualquer que seja o resultado do julgamento, teremos ao menos um condenado importante: ou o suprassumo réu do processo; ou o próprio Supremo. Mas por que isto?
Desnecessário dizer que a mídia corporativa atua, hoje, praticamente uníssona; muito longe de ser, pois, grupos empresariais concorrentes. Mais do que servir como mero braço da oposição ao governo federal, os donos dos veículos decidiram se assumir como 'a' oposição, dando norte aos políticos a quem deveria caber tal papel.
Não cabe, aqui, entrar nas quilométricas teorias – conspiratórias (?) – do porquê dessa oposição a governos que, cada qual a seu modo, foram marcados pelo nacionalismo, pela simpatia da grande massa populacional e antipáticos aos interesses principalmente do lado de cima do equador. Hoje, porém, mais notável que a simples oposição da mídia ao executivo federal desde 2003, é a percepção de uma campanha sistemática contra as três esferas do poder. Até aqui tudo bem. Não se espera outra coisa de uma imprensa vigilante que descortine aos cidadãos os vícios impregnados no Brasil desde sempre. Mas aqui surgem três problemas.
O primeiro problema está na palavra 'campanha' supracitada, que o dicionário ensina como sendo um "conjunto de ações, de esforços, para se atingir um fim determinado". O segundo problema está no ano, 2003, a partir do qual a mídia passou a turbinar as denúncias de corrupção no Brasil, como se este vício maldito só tivesse extrapolado os limites da tolerância quando Lula assumiu o comando do país. Pouco importa, pois, os desmandos anteriores, que nunca mereceram a repercussão que ora percebemos. A falácia da "maior onda de corrupção da história" agride não só a realidade, mas o próprio amadurecimento da democracia brasileira, que vem sendo, desde a Constituição de 1988, aprimorada a cada ano; a cada governo com o fortalecimento de órgãos como o Ministério Público, Controladoria Geral, Tribunal de Contas etc. Corrobora com tal amadurecimento o esforço corrente para que a transparência da administração pública, em vez de mera retórica, seja uma obrigação.
E finalmente o terceiro problema, que pode ser resumido na reação irônica do ministro do STF, Joaquim Barbosa, quando jornalistas lhe indagavam pela enésima vez sobre o mensalão do PT: "E o mensalão mineiro? Vocês não vão perguntar nada?" – teria indagado o relator dos "mensalões". Barbosa se referia ao "mensalão tucano", cujo processo também corre, ou melhor, caminha em passos de cágado no STF e com o grave risco de prescrever por conta também do quase nulo interesse da velha mídia em pressionar. Este é apenas um pequeno exemplo de como a mídia expõe os vícios de seus adversários na mesma proporção em que omite os desmandos dos seus agentes públicos preferenciais.
É nesse ponto que a credibilidade da mídia se vaporiza no calor da sua parcialidade. E é nesse ponto que a campanha contra os poderes da República calha no seu objetivo, que é desacreditar as instituições para que isto também seja espelhado no governo federal. Assim, forjam para a opinião pública a tutela da moralidade; da verdade; da democracia. É como se quisessem dizer: "você, cidadão, cercado pela corrupção desenfreada por todos os lados, somente conosco (a impávida mídia) estará salvo".
Nesse roldão, criaram uma ladainha, ou, uma entidade fantasmagórica chamada "ameaça contra a liberdade de imprensa", que é encarnada, no Congresso, na regulamentação dos meios de comunicação que, a propósito, todas as democracias sérias do mundo já fizeram. Tal ladainha visa sensibilizar o povo ante os "indefesos" grupos empresariais (dos donos da mídia) e garantir aos mártires a liberdade para continuar fazendo qualquer coisa, como se associar ao crime organizado e assassinar reputações de adversários, sejam estes mercantis, políticos ou mesmo no âmbito jurídico.
A abordagem do julgamento do "mensalão" entrou como parte dessa estratégia de atrelar, ou, condicionar o jogo político ao crédito ou descrédito das instituições democráticas. A bola da vez é o STF. Preliminarmente, deu-se uma relevância monumental aos anúncios do, ipsis litteris, "maior caso de corrupção no Brasil". Ou seja: no próprio anúncio do espetáculo, a sentença. Ao Supremo então não caberia outra coisa senão referendar aquilo que a mídia já julgou. E a contaminação é tão viva que o próprio codinome da AP 470, "mensalão", repetido à exaustão, passou a ser usado formalmente pelo Supremo. Alertados por esta impropriedade, os ministros do STF resolveram vetar o uso do termo "mensalão", visto que este força a interpretação de que referida AP trata apenas de pagamento mensal (compra de deputados) – e não dos outros crimes ali julgados.
Enfim, os "especialistas" da mídia passaram a atiçar nos espectadores a impressão de que há no horizonte duas alternativas para o Brasil: a redenção, que seria a condenação do supremo réu do mensalão – condenando assim de forma transversal o governo Lula – ou a catástrofe moral, que seria a sua absolvição. Nesta última hipótese, a mídia não terá dúvida em convocar a opinião pública para condenar o outro réu: o Supremo.
Michel Arbache

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