quarta-feira, 24 de agosto de 2011

José Dirceu: sem reforma política, sistema cairá nas ruas


Benedito Tadeu César

Ex-ministro da Casa Civil no governo Lula, José Dirceu mantém-se como homem forte do PT, ainda que minimize sua participação na direção do partido. “Procuro ajudar o governo e o PT. Mas não tenho essa importância, esse papel que querem dar a mim”, afirma. No entanto, enquanto trabalha como consultor de empresas e prepara a defesa no processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), faz política na maior parte do tempo.

Os rumores de uma rebelião no governo Dilma Rousseff, os desafios da presidenta frente à crise econômica e as propostas de reforma política estão na pauta de José Dirceu. Em entrevista concedida ao Sul21 na semana passada, ele avaliou positivamente a atuação de Dilma na área econômica e criticou a oposição – e setores da imprensa – por aventarem a possibilidade de Lula ser candidato em 2014.

Diante da série de denúncias em ministérios, Dirceu defendeu a política de alianças iniciada no governo Lula e afastou a relação da ampla coalizão com casos de corrupção. “O combate à corrupção tem sido feito. Mas é preciso fazer a reforma política e administrativa também”, defende. Do contrário, o sistema político perderia a crebilidade: “A reforma política é uma demanda que vai se impor. Senão, o sistema vai cair, e vai cair nas ruas”.
 
 
Na entrevista, José Dirceu também comentou a crise do governo Lula em 2005, os desafios do Brasil na América Latina e, por fim, as costuras políticas de seu partido para as eleições municipais em Porto Alegre.

Sul21 – Gostaríamos de começar com um assunto que vem sendo discutido nas últimas semanas, que é esse debate sobre se a presidenta tem, ou não, traquejo para lidar com as denúncias de corrupção. Alguns jornais noticiaram que o senhor teria dito temer que o governo Dilma não chegasse até o fim e que sentia-se “apavorado” com a forma como Dilma estava conduzindo o diálogo com os aliados. Como o senhor avalia a condução política de Dilma Rousseff a partir dessas denúncias de corrupção?


José Dirceu – Suceder o Lula não é fácil. A Dilma é um “case” nesse sentido. As pesquisas mostram que ela tem 70% de aprovação, sendo que enfrenta uma crise internacional que não está sendo bem respondida pela maioria dos países. Com a experiência de ministra da Casa Civil, de ter participado do enfrentamento da crise de 2008 e 2009, ela está trabalhando para que o Brasil passe ao largo dessa nova crise. Essa, para mim, é a questão mais importante para o Brasil nesse momento: não permitir que o Brasil seja afetado, tomar as medidas necessárias em defesa da nossa moeda, da nossa indústria e da nossa economia. E sustentar o crescimento com os investimentos, apesar da necessidade de medidas de proteção ao crédito, de aumentar o juro e de fazer o ajuste fiscal que ela fez. Nesse sentido, a avaliação do governo nesses oito meses é altamente positiva. E a sociedade brasileira está dando esse retorno a ela. A Dilma herdou um sistema político, uma forma de governar e de administrar. Tem uma oportunidade de reformá-lo. Eu diria que a segunda grande tarefa, depois de enfrentar a crise econômica, é promover a reforma política. Essa tem que ser a bandeira do PT. A base do governo depende do PT e do PMDB. E depende da aliança do PT com o PSB, PCdoB e PDT. Evidente que não podemos prescindir do apoio do PP, do PR e do PTB. Não acredito que haja risco de perder a maioria, ou qualquer risco institucional. Jamais falei isso, até porque não é a minha avaliação. A Dilma aprovou os principais projetos, acabamos de aprovar agora o PL-116 (novas regras da TV por assinatura), a regulamentação do novo modelo de tramitação das medidas provisórias. Isso não significa que não haja instabilidade, claro. O PR, aparentemente, deixou de ser um partido da base e passou a ser independente, ainda que eu ache que não há acordo nem consenso dentro do PR sobre isso. Ao mesmo tempo, o PV diz que, frente à crise internacional, é necessário que o interesse nacional se coloque acima dos interesses partidários. Então, acho que existe mais um desejo da oposição e de setores da mídia do que uma divisão verdadeira dentro da base. Tanto isso é verdade que grandes jornais estão vindo com um factoide, como vieram na época do terceiro mandato do Lula. O factoide da vez é que o Lula volta em 2014. Isso é um factoide, até porque seria um tiro no pé. Não tem nenhum sentido colocar 2014 na ordem do dia. Na verdade, isso reflete também a falta de propostas da oposição, de um programa político alternativo. A oposição está dividida, fragilizada. Tem três candidatos. Um que teve um semestre desastroso, que é o Aécio Neves; outro, José Serra, é um eterno candidato que o seu próprio partido não quer; e tem o Geraldo Alckmin, que primeiro tem que governar São Paulo para depois querer ser presidente da República. Os indicadores de São Paulo não estão apresentando bons resultados, e as pesquisas de opinião mostram que o governo paulista não vai bem.
Sul21 – É muito comum, quando se fala em corrupção no governo federal, lembrar da reforma política. Sem ela, seria impossível governar sem fazer algum tipo de vista grossa…


José Dirceu – Não, não. Você tem que governar com alianças. Você não pode dizer que a aliança leva à corrupção. Nem que sem alianças não teremos corrupção. Nós não podemos governar sem coalizão. É algo inerente ao atual modelo político brasileiro. Eu não acredito que a corrupção tenha a ver com coalizão. Corrupção tem ligação com a própria corrupção, e você tem que combatê-la. Para isso, há os órgãos de fiscalização e é preciso aperfeiçoar a legislação também. Não temos nenhum problema com isso. O governo Lula foi o que mais combateu a corrupção. Aliás, Lula e Dilma indicaram cinco vezes o primeiro colocado na lista para o Ministério Público, e a oposição elegeu três membros para o Tribunal de Contas da União. E se você olhar a Controladoria Geral da União antes do Lula e comparar com hoje em dia, vai ver que ela ganhou poderes quase autônomos. Fora que a Polícia Federal atua com a mesma autonomia do Ministério Público. O combate à corrupção tem sido feito. Existe corrupção? Claro que tem. Precisa mudar o quê? Primeiro, precisa mudar a legislação, fortalecer órgãos de controle e criar secretarias de controle interno (Ciset) em todos os ministérios. Mas é preciso fazer a reforma política e administrativa também. Qual é o sistema político que existe no Brasil? Uninominal, voto no candidato, disputa dentro do mesmo partido. Cada vereador, deputado estadual e federal é uma campanha diferente. O custo disso é 20, 30 vezes maior do que com voto em lista ou distrital misto. Tem que fazer reforma política para ter financiamento público de campanha e para ter um sistema eleitoral que reduza para 10% do custo das campanhas. Em segundo lugar, tem que fazer a reforma administrativa. Na Constituição de 1988, o PT defendeu que os cargos em comissão fossem ocupados por funcionários de carreira. No entanto, o que era para ser a exceção – a indicação – virou a regra. Nós temos que abolir isso, temos que determinar os cargos de confiança serão ocupados por funcionários de carreira, com exceção dos indispensáveis. Em vez de 22 mil servidores públicos, o Executivo vai indicar dois mil. Isso vai acabar com a corrupção? Evidentemente que não. Tem corrupção nas empresas privadas, em ONGs, em qualquer lugar. Mas acho que essas reformas vão minorar, e muito, o problema da corrupção no Brasil.


Sul21 – Voltando na questão do PMDB, o senhor acha que a aliança com o PMDB está consolidada? Porque se fala de uma aparente rebeldia dentro do PMDB, até de certo modo organizada com vistas a 2014. E tem um caso concreto, com a divulgação das fotos dos presos na Operação Voucher, e também as denúncias no Ministério da Agricultura.
José Dirceu – Vamos separar as coisas. Nós não podemos aceitar ou permitir nenhuma violação dos direitos garantidos ou individuais. É intolerável, inaceitável que a Polícia Federal coloque algemas, faça prisão arbitrária, seja temporária ou preventiva. Isso expõe a imagem das pessoas. Quanto às alianças… Aliança é unidade e luta. Nós temos aliança com o PMDB, mas não temos o mesmo programa, nem as mesmas propostas, nem o mesmo objetivo e nem somos iguais, seja ao PMDB ou ao PCdoB, PSB ou PDT.




Sul21 – É normal, então, que em um assunto como o Código Florestal o PMDB vote contra o governo?



José Dirceu – É algo que se pode esperar, porque eles representam interesses que nós não representamos.


 
Sul21 – Mas essa diferença não prejudica a manutenção da base?



 
José Dirceu – Não, porque existem objetivos maiores. O PMDB é um partido desenvolvimentista, nacionalista, um partido que concorda conosco no básico de nosso programa. Não é um partido que está pregando privatização, que defende a abertura do nosso mercado – pelo contrário, ele prega que o nosso mercado seja defendido. Então, nós temos um programa mínimo com o PMDB, mas não temos ponto em comum com o PMDB na reforma política, por exemplo.


Sul21 – Então a reforma política não vai sair. Se as duas principais bancadas não concordam…


José Dirceu – O risco de a reforma política não sair é grande. O Senado aprovou a reforma política da Câmara, então aprovou tudo; do próprio Senado, não aprovou quase nada, a Câmara é que vai ter que aprovar. Então, vamos falar da Câmara, que é o que conta. Ninguém tem maioria na Câmara. Nem para emenda constitucional, que são duas votações de 308 deputados, nem para uma votação simples em determinadas questões. A reforma política, no meu entendimento, é uma demanda que vai se impor. Senão, o sistema vai cair, e vai cair nas ruas. Esse sistema, como existe hoje, vai acabar caindo nas ruas. Porque ele se auto alimenta das emendas, das nomeações. Basta olhar para qualquer campanha para saber que nenhum candidato, nenhum partido tem condições de financiá-la, precisa pedir dinheiro para empresas privadas.

Sul21 – O PT é uma minoria programática no Congresso?



 
José Dirceu – Eu diria que o PT, nessas questões da reforma do Estado e da reforma política, é o partido que está mais próximo dos anseios da sociedade. O problema é que a sociedade quer o objetivo, mas não concorda com o meio, que é o financiamento público; quer o objetivo, mas não concorda com o meio, que é o voto em lista. Isso porque está sendo induzida a acreditar que o financiamento público vai tirar dinheiro do Estado. Eu acredito que o PT está na vanguarda, mas precisa se mobilizar mais, envolver mais a sociedade. Como o movimento do Ficha Limpa abraçou, de certo modo, as bandeiras da reforma política dentro dos princípios que o PT defende, temos alguma chance de criar um movimento da sociedade com relação a isso. Agora, nós podemos também recuar como o deputado Henrique Fontana propôs, de maneira inteligente e correta, no meu entendimento. Vir com uma proposta mediana, que seria uma votação mista, uninominal e em lista. Eu prefiro uma votação distrital e em lista, mas acho que a proposta dele é mais fácil de passar. E o financiamento público, lógico que com a fidelidade partidária.
 
 

Sul21 – O senhor falou que, se não mudar esse sistema político, ele vai cair nas ruas. O que o senhor quis dizer com isso?



José Dirceu – Que, um dia, a sociedade vai se rebelar contra esse sistema político, como tem acontecido em todos os países do mundo. Porque é um sistema inócuo.

Sul21 – Há, entre a população, uma descrença com a política e os políticos. Para muita gente, político virou quase sinônimo de ladrão, de criminoso.


José Dirceu – Isso é um erro. E eu sei quem faz isso, quem cria essa imagem. É a grande mídia, que tem como objetivo ter um Poder Legislativo enfraquecido. Não que ela não tenha razão nas denúncias que faz, mas a maneira como ela persiste nisso tem um outro objetivo, que é manter o Legislativo dócil, porque daí ele não fará nunca uma regulação, nunca vai taxar as grandes fortunas e heranças, nunca vai taxar as grandes rendas e as grandes propriedades. Independente da eficiência ou não desses impostos, estou falando mais do ponto de vista ideológico. A agenda da terra é outra que não anda no país. Tem temas que não avançam no Brasil, em parte, por causa da mídia. Além do que, ela quer monopólio, não quer concorrência e não quer ser regulada. Porque ela é um poder político, e quer disputar esse poder político com os partidos e com o parlamento. Eu acho nefasto esse papel que ela exerce, de desqualificar os partidos e a política de modo geral. Por que a mídia não aprova o financiamento público e o voto em lista? Porque isso corta o mal pela raiz. A mídia tem que fazer jornalismo investigativo, tem que exercer seu papel de fiscalização. É verdade que muitas vezes a corrupção vem à tona porque a mídia publica. Não nego nada disso, nem me oponho a que ela faça isso. Não é disso que reclamo, é outro departamento.
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