domingo, 31 de julho de 2011

TCEs: poder derivado, (baixa) automonia e (baixo) controle

Sem dúvida os Tribunais de Contas Estaduais precisam ser reformulados. Nos últimos dias, foram julgadas as contas de governadores de diferentes unidades da federação. Yeda Crusius, do Rio Grande do Sul, e José Roberto Arruda, do Distrito Federal, tiveram suas contas aprovadas pelos respectivos tribunais estaduais, mesmo com pareceres contrários dos corpos técnicos de cada um dos TCEs .

É uma história que se repete ano após ano e que se multiplica pelo país. Além das falhas e não cumprimentos frequentemente apontados pelos corpos técnicos dos TCEs, também os Ministérios Públicos de Contas (MPC) de cada estado fazem denúncias e recomendam, muitas vezes, a não aprovação das contas dos governadores. Tudo sem sucesso. Quase que inapelavelmente as contas são aprovadas pelos plenos dos TCEs.
 
Os casos de Yeda Crusius e de José Roberto Arruda, tomados aqui como exemplos, são expressivos. No Rio Grande do Sul, além de outras falhas apontadas, o MPC explicitou, como vem fazendo há anos, que não foram atendidos os índices mínimos constitucionais de investimento em educação e saúde. Mesmo assim, como ocorre há anos, as contas da governadora, como de todos os governadores que a antecederam e não cumpriram os investimentos mínimos nessas áreas, foram aprovadas.

No Distrito Federal, não obstante os escândalos que vieram a público e que levaram à cassação do governador, das denúncias do MPC-DF e dos intensos debates travados no plenário do Tribunal, as contas do governador foram aprovadas, como vem ocorrendo há anos e com os diferentes governadores que o antecederam. Na mesma sessão, alias, foram aprovadas as contas de Paulo Octávio, Wilson Lima e Rogério Rosso, que sucederam o governador cassado e prorrogaram os escândalos ocorridos no DF durante o ano de 2010.
 
Fica claro que a própria concepção dos TCEs, além da forma como são compostas aquelas cortes, é insatisfatória. Criados como órgãos auxiliares das Assembleias Legislativas e, portanto, sem autonomia, pois seus poderes são derivados do poder detido pelos Legislativos estaduais que os submetem, os TCEs acabam por se tornar meras cortes de aparência, não obstante os milhões que são gastos anualmente na manutenção daquelas casas.
 
Seus técnicos se esforçam em realizar análises consistentes, os integrantes dos Ministérios Públicos Estaduais apresentam denúncias quase sempre bem fundamentadas, muitos conselheiros se esmeram na avaliação de cada peça a ser julgada, mas, ao final, prevalece a vontade do rei. Ou melhor, prevalece o acordo político de não se criar caso com o governador cujas contas estão sendo julgadas, pois no momento seguinte (ou no ano seguinte ou na legislatura seguinte) serão as contas do “meu” governador que serão julgadas.
 
O rigor que, no caso do Rio Grande do Sul, já se atingiu no TCE para julgar as contas dos prefeitos Municipais não é o mesmo que se utiliza para julgar as contas dos governadores. Enquanto os prefeitos raramente deixam de pagar as multas que lhes são impostas e de tornarem-se inelegíveis se não cumprem os mínimos constitucionais, os governadores são isentados pelo acordo tácito existente entre muitos conselheiros.
 
Indicados por meio de acordos firmados entre os partidos políticos com maioria nas Assembleias Legislativas estaduais, pelos governadores de turno e com apenas uma pequena minoria indicada por critérios estritamente técnicos, os conselheiros votam, quase sempre, obedecendo a critérios políticos. Desta forma, afrouxam o julgamento dos que lhes são politicamente próximos e arrocham o julgamento do que lhes são politicamente distantes. No limite, podem até rejeitar as contas dos adversários, mas isto é quase inexistente.
 
Tem sentido o movimento desencadeado pelos integrantes dos corpos técnicos dos TCEs e que está sendo empunhado no Rio Grande do Sul pelo Centro de Auditores Externos do TCE-RS. Eles buscam mobilizar a opinião pública e encontrar meios legais de alterar a forma de indicação dos conselheiros.


Pretendem que a indicação realizada pelo poder Legislativo não seja uma reserva de mercado dos deputados. Defendem que qualquer cidadão que se julgar apto possa se inscrever para uma seleção a ser realizada pela Assembleia Legislativa para a indicação dos conselheiros. Um critério interessante, ainda que difícil, pois implicaria na seleção de dezenas, centenas ou até mesmo milhares de candidatos.
 
Não é apenas a forma de indicação dos conselheiros, no entanto, que precisa mudar. É preciso repensar e reformular a própria vinculação dos TCEs e o grau de autonomia que eles detêm. É preciso que eles possam julgar sem obstáculos políticos, firmando suas decisões estritamente sob critérios técnicos. As avaliações políticas devem continuar existindo, mas precisam ser realizadas no local que lhes cabe por direito, ou seja, no âmbito do Poder Legislativo de cada ente federado.

Para que haja equilíbrio é preciso que haja autonomia e controle de um poder pelo(s) outro(s). O famoso “check and balance”. É ele que torna possível a accountability – a prestação de contas e a responsabilização, numa tradução livre – tão desejada nas democracias de todo o mundo e tão difícil de ser construída.Sul21.

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