domingo, 31 de julho de 2011

Reforma política ou a escolha de Sofia?

Vou pegar aqui uma carona no assunto “reforma política”, que tem frequentado a midia e as discussões no Congresso Nacional nos últimos meses e que, certamente, não é matéria de fácil posicionamento conclusivo. Por isso mesmo, este é, mais do que tantos outros, um texto em aberto, ávido de opiniões alheias.


Creio que a imensa maioria dos brasileiros comunga a postura da mais absoluta descrença quando se fala em partidos políticos. E não ajuda nem um pouco a melhorar esse conceito a forma como os nossos partidos se estruturam e atuam, seja do ponto de vista quantitativo – são tantos a servir de “legenda de aluguel” a candidatos sem um mínimo de coerência doutrinária -, seja quanto ao aspecto qualitativo , já que, com raríssimas exceções, falta às agremiações partidárias um conteúdo ideológico mínimo que assegure uma linha de ação fundada em um programa que as identifique.


Correndo o sério risco da decepção, chego a pensar que, se efetivamente vier a acontecer algo que, ao final, mereça a denominação de “reforma política”, alguns dos principais vícios do nosso processo representativo poderão ser extirpados. A possibilidade da decepção vai por conta de que – como diria Brizola – trata-se de um caso típico de “raposa tomando conta do galinheiro”, já que está nas mãos dos próprios políticos a reformulação de um sistema que, no geral, os vem beneficiando. A hipótese de vitória dos valores da cidadania, nesse caso, dependerá da chamada participação popular, do clamor das ruas e/ou das mídias, no sentido de fazer valer os seus princípios.


São vários os aspectos a abordar nesse tema e mereceriam diversos artigos . Aqui, trago à discussão um deles: o sistema eleitoral e sua representatividade. Como evitar a “eleição” de candidatos com um vergonhoso mínimo de votos, como ocorre no sistema atual de coligações? O candidato é “eleito” e ninguém sabe nem quem é... Como prevenir o país da possibilidade de uma eleição jocosa (como a do Tiririca) acabar, além de tudo, legitimando um sem número de candidatos que o povo não identifica como representativos? Como acabar com os partidos “de aluguel”?


Uma das grandes discussões a ser travada envolve a opção entre o chamado “voto de lista” e o “voto distrital”. Não é uma questão fácil de ser resolvida, pois ambos os sistemas contam com defensores ardorosos e argumentos consistentes. O “voto de lista” teria foco nos partidos políticos. Cada um destes organizaria uma lista de candidatos (à Câmara Federal, por exemplo), ordenando-os segundo uma hierarquia fixada dentro do próprio partido (em processo democrático, fruto de deliberações internas e não sujeito a “caciques”, fiscalizado pela justiça eleitoral) . O eleitor votaria no partido, e não no candidato, e, em função do número de votos dados à agremiação, seria determinado, proporcionalmente, o número de seus representantes na Câmara.


Já o “voto distrital” levaria em consideração aspectos geográficos - estabeleceria diversas regiões (distritos) em condições de ter os seus representantes - e privilegiaria os candidatos, individualmente. O eleitor de determinada região votaria no candidato que lhe parecesse melhor habilitado a ser o seu representante regional.


Não é uma escolha fácil. Pessoalmente, mas sem convicção absoluta, inclino-me ao “voto de lista”, porque penso que levará o eleitor a votar mais ideologicamente do que fisiologicamente, identificando-se com o partido que melhor defender, em linha programática de ampla divulgação, as suas ideias de cidadão. Imagino que esse sistema obrigará os partidos ao estabelecimento de uma linha de princípios – coisa que hoje falta à maioria deles - , sufocando o oportunismo de atuações casuísticas e acabando, ao final, por retirar do cenário os inexpressivos e dispensáveis partidos de fachada.


Além disso, só o “voto de lista” permitirá o estabelecimento do fim (pelo menos em termos oficiais) do “patrocínio” de certas candidaturas individuais por empresas privadas , com os escancarados interesses que tal prática revela. Junto ao “voto de lista” seria firmada a subvenção oficial aos partidos participantes, igualando – com financiamento exclusivamente público - as oportunidades de divulgação das diversas plataformas políticas. E, antes que se veja isso como absurdo, não custa lembrar que – ao menos do ponto de vista teórico – é mesmo o povo quem deve comandar e zelar pela lisura ética dos pleitos. Não é um dinheiro mal empregado, se contraposto ao que é gasto pelas empreiteiras e coisas que tais (e que, de toda forma, saiu do nosso bolso) para eleger candidatos que vão acabar atuando contra os interesses populares.


Os defensores do “voto distrital” apresentam a forte alegação de que só esse sistema permitirá ao eleitor votar em um determinado político que ele queira ver eleito. Defendem a ligação direta entre eleitor e eleito, como única possibilidade, inclusive, de este ser cobrado por aquele, no caso de faltar aos seus compromissos de campanha. Mas isto não gerará um tipo de voto “paroquial”, não ideológico, com eleições regadas a dinheiro e candidatos distantes dos partidos? Não seria um convite ao voto nas “celebridades”? Não privilegiaria os endinheirados?


Pensando aqui no assunto “ficha suja”, acredito que – implantado o “voto de lista” - um partido contaria até mil antes de incluir entre os seus representantes um candidato de vida pregressa discutível, cuja rejeição social poderia pôr a perder a agremiação partidária como um todo. Para um candidato desse tipo seria bem mais fácil a eleição pelo voto distrital, com “patrocínio” econômico de segmentos de interesses tão espúrios quanto os dele.


Às vezes, esse assunto me lembra uma “escolha de Sofia”... Por pressuposto ideológico, não acredito em “super-homens” ou no primado do individual sobre o coletivo, naquele político “salvador”, ungido sei lá por que deuses para levar o povo à redenção. Mas alguns oponentes ao voto de lista dizem que este facilitaria a vida do pessoal do PT, ou do PSDB, ou do PV, ou mesmo do DEM, partidos que, para o bem ou para o mal, possuem linhas ideológicas mais ou menos definidas. Mas, e daí? Não é isso mesmo que se espera de agremiações políticas?


Lembrando, finalmente, que há uma expressiva corrente que defende um sistema misto, deixamos aqui, de qualquer forma, uma boa polêmica. Quem se habilita a opinar?

Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário.Direto da Redação

Um comentário:

Anna Banana disse...

Rodolfo, e o que fazer para retirar da área os religiosos oportunistas? será que precisa mais uma lei que diga para não misturar política com religião? um dos piores cânceres atuais é a chamada "bancada evangélica". São uns alienados em todos os sentidos, mascarando os direitos que querem retirar, especialmente das mulheres. Buscam o retrocesso, com bíblias e afins, com papo furado, e a população votando neles, sem se dar conta de que está fazendo um voto contra ela própria.