segunda-feira, 25 de abril de 2011

O PSD e as origens da infidelidade

 
O PSD é um exemplo claro de fisiologismo, infidelidade e oportunismo.
 
 
Cristian Klein
Valor Econômico - 25/04/2011

O PSD é de direita? É governista? É um "saco de gatos" criado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab? Um dos desafios mais intrigantes da política brasileira atualmente é tentar entender qual é a cara do Partido Social Democrático.


A primeira imagem que se formou do PSD é a de uma legenda feita "ad hoc", sob medida, para a mudança de parlamentares que, no plano nacional, querem sair da oposição e aderir ao governo. Seria um partido de adesistas. Egressos da oposição, no entanto, representam 17 dos 32 deputados federais que assinaram sua ata de fundação: 11 estão largando o DEM; três, o PPS; e três, o PMN. E os outros 15 (47%), que são da base aliada? Como explicar a mudança de deputados do PP, do PDT e até do PCdoB, que já desfrutam dos benefícios de apoiar o governo?


A explicação mais óbvia é que este grupo teria em comum o fato de ser formado por gente insatisfeita com os dirigentes de suas legendas. O que os une poderia ser resumido pela expressão geral "falta de espaço político". O PSD, mais uma vez, seria literalmente a "janela partidária" que os descontentes querem para fugir, depois que as portas foram fechadas, em 2007, quando o TSE baixou resolução que prevê a perda de mandato para quem abandona sua sigla.


A criação do PSD é o escape para a insatisfação de boa parte dos trânsfugas governistas. O caso da Bahia - onde o PSD surge com maior força, seis deputados, depois de São Paulo, com sete - é exemplar. Ali, o vice-governador Otto Alencar (PP) encontrou na nova sigla a oportunidade de se livrar dos problemas com a direção do partido, controlado no Estado pelo ministro das Cidades, Mario Negromonte.


O ponto alto da discórdia ocorreu quando o governador Jaques Wagner ofereceu a Otto Alencar a Secretaria de Infraestrutura, mas o PP recusou-se a considerá-lo como de sua cota. Para solucionar o impasse, Wagner manteve a decisão de nomear Alencar e teve de oferecer outra pasta ao PP.


O episódio deixou claro para Otto Alencar que ele não teria vez no partido. Uma rejeição até "natural", dadas as circunstâncias da entrada do vice-governador na legenda. Alencar - que estava fora da política, no Tribunal de Contas dos Municípios - filiou-se ao PP dentro da estratégia de Jaques Wagner de espalhar aliados pelos partidos da base.


O deputado federal José Carlos Araújo é um deles. Saiu do PR, em 2009, foi para o PDT e agora também encaminha-se para o PSD. Araújo se diz satisfeito com o PDT. Mas faz parte do grupo político de ex-carlistas que caracteriza os pessedistas baianos. Dos seis da futura bancada, cinco são oriundos do grupo do ex-governador e senador Antonio Carlos Magalhães (1927-2007). A grande surpresa foi a adesão de Edson Pimenta, do PCdoB, cuja mudança também tem a ver com atritos partidários.


As duas explicações - adesismo ao governo federal e falta de espaço político - são úteis para se entender quem vai para o "partido do Kassab". Mas o fenômeno é um pouco mais complexo e, neste sentido, a resolução do TSE, ao forçar a criação do PSD, deu origem a uma amostra representativa dos políticos mais propensos ao troca-troca partidário.


A grande maioria dos 32 deputados que assinaram a ata de fundação do PSD é do baixo clero e tem poucos votos. Quase 75% deles obtiveram uma votação que os colocou na metade final dos eleitos em seus Estados.


Curiosamente, esse é o perfil semelhante ao dos deputados que tradicionalmente trocam de legenda no Brasil. É o que lembra a cientista política e pesquisadora Andréa Freitas, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), autora de um estudo no qual analisa as migrações partidárias na Câmara entre 1987 e 2009.


"Os que mudam de sigla estão na faixa intermediária de votos. A lógica é que trazer um grande puxador de votos tem um preço maior, o partido tem que pagar mais caro, lhe oferecer mais recursos políticos. Por outro lado, os menos votados lhe são menos atraentes, por serem mais vulneráveis eleitoralmente. Os que estão no meio não são tão caros nem tão ameaçados", diz.


No PSD, há um peso até maior do grupo de baixo. Mas a ausência de deputados de expressão, mais "caros", parece confirmar a hipótese de que há uma espécie de "economia da migração" a reger as mudanças de partido.


O perfil de votação seria apenas um dos indicadores de que o foco principal para se entender o fenômeno, defende a pesquisadora, não deve ser o cálculo particular dos políticos, mas a ação dos partidos.


Mais do que resultado de objetivos individuais - que são vários, desde o adesismo ao governo, a divergência com as cúpulas, até a procura de oportunidade melhor numa nova "empresa" - o troca-troca seria expressão da vontade e do aliciamento dos partidos.


Prova disso, afirma Andréa, é o fato de as migrações terem sempre se concentrado em dois períodos: em outubro do ano anterior às eleições, devido ao prazo de filiação, e em fevereiro do primeiro e do terceiro anos legislativos. Seriam momentos de contratação, utilizados para melhorar o desempenho eleitoral, no primeiro caso, e aumentar artificialmente as bancadas, no segundo - possibilidades abolidas com a resolução do TSE e mudanças no regimento da Câmara e do Senado, também em vigor a partir de 2007.


Outra evidência encontrada pela pesquisadora é que a maioria dos 54 parlamentares que migraram em 2007 receberam cargos de alta relevância no novo partido. Qualquer semelhança com o PSD não é mera coincidência. A abertura de "franquias" do partido pelos Estados garante a políticos que estão a "cinco níveis abaixo das cúpulas de suas atuais legendas" um lugar nobre, de onde poderão controlar o horário eleitoral gratuito e os recursos do fundo partidário. É o caso do deputado licenciado Armando Vergílio, que presidirá a sigla em Goiás.


O movimento de ocupação, de novo, seguiria uma lógica mais partidária do que individual. Andréa Freitas mostra que porcentagem significativa dos deputados "contratados" são de Estados onde as legendas "contratantes" não elegeram representantes, o que é bastante comum. Nenhum partido elege deputados em todas as 27 unidades da Federação. A maioria não chega nem à metade delas.


O ponto de partida dos achados foi tentar entender porque a maioria das mudanças se dá não da oposição para o governo, mas dentro da própria base aliada. "O motivo não é tão óbvio e caricato quanto parece", diz. Só o propalado adesismo não explica o troca-troca. O PSD é o retrato disso.
Cristian Klein é repórter de Política

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