terça-feira, 22 de março de 2011

Nós e os americanos


Obama veio, trouxe Michelle, Malia e Sasha e uma comitiva de mil pessoas, algumas delas com status de ministro. Nada mal. Passou com louvor pelo habitual tédio a que governos estaduais e municipais costumam submeter visitantes ilustres, fez um discurso ao qual ninguém deu lá muita atenção, e já está no Chile, conversando com o engomado Sebastian Piñera. Qual o balanço desse auê todo?

Eu acho que essa visita do presidente americano demonstrou muito bem o que aconteceu nos últimos dez anos. Basta olhar a tranquilidade com que a Dilma se portou enquanto os dois estiveram juntos, não notaram? Dilma foi Dilma, e foi a presidente de um país confiante e relativamente tranquilo em relação a si mesmo, coisa nova em nossa história.


A nossa relação, Brasil e Estados Unidos, é longa e, por natureza, complexa. Somos os grandes, maiores, mais ambiciosos e mais diferentes estados e nações sobre as Américas. Temos similaridades em nossa composição cultural e étnica, mas temos diferenças essenciais na formação protestante e WASP deles; e a nossa, portuguesa, difusamente católica, indígena e africana. Eles se encontraram no século 19, após uma terrível guerra civil que colocou o arcaico sob controle do moderno, coisa que para nós só foi acontecer há pouco, com a extinção do PFL. Dali partiram para a consolidação do país continental que compraram ou tomaram em guerras com México, Inglaterra, Espanha, unindo o Pacífico ao Atlântico, e tomando o espaço global deixado pela queda das potências européias, após 1918.


Quem lê os brasileiros do século 19 vê o desconforto com que os observamos nesse tempo todo. Eles eram os que davam certo e cresciam, enquanto a gente patinava. Eles eram a grande potência, enquanto a gente estava destinado a ser o país do futuro. Eles tinham soluções, enquanto nós colecionávamos os problemas, tadinhos de nós.


A relação tinha que ser mesmo complicada e invejosa. Enquanto a nossa elite e classe média alta adoravam, adoram, Miami, a nossa esquerda não ia lá muito com Washington. Enquanto eles detinham o capital e a influência sobre a nossa região, nós nos amarrávamos em dívidas impagáveis e eles ditavam até onde poderíamos ir sem levar bolos nos dedos. Nossa República Velha lidou com isso, Getúlio precisou enviar uma divisão brasileira para lutar na Itália obtendo em troca a nossa industrialização, consentida por eles. Nossos governantes pré-Lula precisavam do aval deles para fecharem as contas e o presidente Fernando Henrique teve que ir até o FMI, lembram?


Os Estados Unidos vivem a sua crise, como toda potência imperial vive, quando sua atuação vai até o limite dos seus recursos e os ultrapassa. Nós, ao contrário, começamos a nossa expansão, o uso mais intenso dos nossos recursos e capacidades, em um mundo onde agora existe uma China comprando tudo.


Até agora, os Estados Unidos até que olharam para a gente, mas mais para podar o que entendiam como excessos do que para propriamente definir, como fizeram na Europa e Ásia. Como a África, éramos desimportantes demais para sermos um problema.


O Brasil, especialmente no governo Lula, adquiriu jeito próprio, dimensão própria e representa, pela primeira vez, a emergência de uma força sul-americana, em torno da qual a América do Sul pode se organizar e crescer de maneira autônoma. Foi isso que o Obama veio estudar, ver qual era. Foi isso que a Dilma mostrou a ele. Cá estamos, cá estaremos, e vocês podem escolher a maneira pela qual nos relacionaremos. Ela pode ser melhor, ou menos melhor, e isso não depende da gente. Nós, brasileiros, vamos continuar no nosso caminho. O que vocês americanos preferem? Um diálogo entre iguais diferentes, topamos. O outro, não. O que vai ser?


Como os americanos vão se relacionar com essa nova fase do Brasil, não sabemos. Mas a vinda do presidente Obama até aqui, antes mesmo de a Dilma ir até lá é um indicativo de que eles, se não convencidos, estão curiosos. No que isso vai dar, veremos, mas quais os termos que nos servem, sabemos. Diálogo, claro. Aproximação, depende. Se for para compartilhar da visão de mundo deles, necas. Se for para melhor organizarmos nossos recursos e passarmos a um desenvolvimento ainda mais acelerado da nossa América e da África, topamos, desde que o nosso protagonismo seja reconhecido e aceito.


Lula, vindo após governos das elites tradicionais, que adoravam puxar saco dos americanos e europeus (mesmo que tenhamos sempre mantido uma relativa autonomia, e está aí a Petrobrás pra demonstrar), precisou ser um tanto incisivo. Dilma já não precisa e pode mostrar o que mostrou, aquele sorriso tranquilo. Nossa presidente se permitiu ser, como os americanos falam e entendem, “Presidential”. E isso, caros leitores, quer dizer muito, muito mesmo. É assim que iremos em frente. Nesse mesmo final de semana o pessoal do Morro do Alemão começou a organizar tours do morro, eles mesmos, não agentes de turismo vindos lá de Ipanema. Passamos a andar pelas próprias pernas, caros leitores, no andar de cima, no andar debaixo, por todos os lados. E se isso não é garantia de que chegaremos, é sim a afirmação de que estamos indo e foi isso, tenho certeza, o que Obama, entre um sorriso e uma picanha mal preparada no almoço no Itamaraty, entendeu.



Fonte:Sul21

Um comentário:

Roger de Sena disse...

Gostei! Recebi de minha amiga Celeste e já incluí nos meus favoritos.
Texto interessante e de fácil leitura.
É disso que o brasileiro precisa.
Pena que nos jornalões não sirvam desse prato!
Saudações!