quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O discreto estilo de Dilma Rousseff



Cynara Menezes


Conservadora no traje, eficaz, firme, pontual na ação de governo

Primeira mulher a comandar o País, a presidenta se veste de forma sóbria. Um pouco conservadora, há quem diga. Nas roupas, opta pelos tons café, terracota e bege. A maquiagem é discreta e as joias, pouco chamativas. “Ser mulher presidenta não é fácil. Para os homens é mais simples, basta sair com uma camisa e uma gravata. O que fiz foi me adaptar às agendas, porque era complexo ter sempre comigo um par de sapatos diferentes se saía a campo ou um vestido, se tinha de comparecer a algo mais formal”, declarou a presidenta. Não, não foi Dilma Rousseff quem disse isso, mas sua colega Laura Chinchilla, que tomou posse em maio do ano passado na Costa Rica.

Uma coisa é se eleger presidenta. Outra é livrar-se da abordagem “feminina” (alguns diriam fútil) do fato de uma mulher ter chegado lá. Nem Ângela Merkel, a dama de ferro alemã, se livrou de ter a maneira de vestir discutida, o que talvez desminta a ideia de que seria provincianismo nosso explorar batons, marcas de roupa, bolsas e sapatos da mulher que chegou à Presidência. Ora a imprensa alemã caçoava da imagem da candidata pescando ao lado do marido, metida em uma calça de agasalho e camisa masculina, ora fazia troça do inusitado decote da já primeira-ministra em uma noite na ópera de Oslo, em 2008. E que, diga-se de passagem, deixava à mostra um belo colo de mulher aos então 53 anos de idade.

Há menos de um mês no cargo, já sabemos pela imprensa que a presidenta Dilma usou batom na cor cereja queimada ao posar para a foto oficial, aquela que vai ser pendurada nas paredes das repartições Brasil afora. Tendo ao fundo as colunas do Alvorada, houve pouco retoque nas fotos – segundo o fotógrafo Roberto Stuckert Filho, a pedido da própria – e se percebem as marcas de expressão da presidenta. Exatamente o contrário do que aconteceu na Nova Zelândia há dois anos, quando o lisonjeiro, para dizer o mínimo, pôster de campanha da então primeira-ministra Helen Clark causou polêmica ao tornar retos seus dentes tortos sem a ajuda de aparelho e ao suavizar-lhe os traços em uma espécie de lifting digital que o fotógrafo Monty Adams jura sobre a Bíblia não ter executado.Candidata à reeleição, Clark perdeu.

É certo que o estilo de Dilma, visualmente falando, difere das outras duas mulheres que chegaram ao topo na América do Sul. A ex-presidenta do Chile Michelle Bachelet vestia-se de forma talvez ainda mais conservadora do que a brasileira. Sequer tirou os óculos ou mudou o penteado, como Dilma, ao se tornar candidata. A argentina Cristina Kirchner, pelo contrário, é bem mais ousada e abusa da maquiagem pesada e das cores fortes. Comparadas por especialistas em moda de seu país, Michelle seria o retrato da mulher chilena, mais “mamãe”, enquanto Cristina espelharia as argentinas, mais “coquetes”, seguindo a linha da fashioníssima Eva Perón. Não foi perguntado às argentinas e chilenas se concordavam com a simplificação.

A imprensa argentina, pelo menos, foi capaz de explorar o tema também com os presidentes homens, como Carlos Menem, famoso por sempre carregar o cabeleireiro a bordo do avião presidencial, o Tango 1. Obcecado pela manutenção do toupée e das suíças, de perto era possível enxergar no presidente os retoques de tinta que fazia antes de cada uma das aparições oficiais. Em 2009, foi noticiado que Menem, mesmo às voltas com problemas judiciais, estava promovendo concurso para contratar um novo cabeleireiro, fluente em inglês e com passaporte americano em dia. O escolhido por Dilma, todo mundo já sabe, é o paulistano Celso Kamura.

Felizmente, em termos políticos, apesar das tentativas, aqui e ali, de frugalizar a chegada da mulher ao poder no Brasil, a comparação mais frequente até agora tem sido entre o jeito de governar de Dilma e o de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva. O estilo discreto da presidenta conquistou inclusive velhos detratores do ex-presidente, que agora não regateiam elogios à sucessora. Ao aparecer, de galochas, em meio às enchentes no Rio de Janeiro, a presidenta foi unanimidade na mídia por ter feito declarações “cuidadosas”, em contraponto ao que foi criticado como “excessos” e “anormalidades” de Lula. Dilma seria mais “obediente” à liturgia do cargo do que seu popularíssimo antecessor.

No entorno da presidenta, os elogios são vistos com reservas. “Percebe-se que continuam a menosprezar Lula, a fazer com que seja visto como fanfarrão. Há uma tentativa, por um lado, de diminuí-lo e, por outro, de tentar intrigar Dilma com ele”, avalia uma fonte do Planalto. Não deixa de ser curioso que se aposte na cisão entre ex e sucessora como uma notícia boa, quando durante a campanha um dos elementos de terror utilizados pela oposição a Dilma era que brigaria com o homem que a alçou ao cargo na primeira oportunidade, instalando o caos no País.

Dito isso, não é só o fato de preferir tomar café coado ao expresso que Dilma difere de Lula. Ao que tudo indica, Dilma será a Dilma da Dilma. Ou seja, as funções de cobrar metas que Lula lhe delegava como ministra da Casa Civil foram assumidas por ela própria. Porta-se mais como gestora, no sentido empresarial do termo, e fala mais regularmente ao telefone com os ministros, embora faça questão de desfazer em algumas ocasiões a imagem de durona. Na primeira reunião ministerial, contou que em momentos de crise Lula dava-lhe duas reuniões para chegar a um acordo com o ministro em questão. Se o assunto não tivesse sido resolvido, ia parar na mesa dele. “E as pessoas se enganam achando que o Lula não era duro na hora de cobrar. Assim como Dilma, quando saía do sério, sai de baixo”, conta um ex-assessor.

Na reunião, a presidenta afirmou ao sucessor na Casa Civil, Antonio Palocci, que seria mais “generosa” do que Lula e lhe concedeu três reuniões para resolver os imbróglios. Mas Dilma mostrou também que será menos condescendente que o antecessor em relação ao fogo amigo. Disse que admitirá divergências em seu governo, desde que explicitadas internamente, não por meio dos jornais. Outra coisa que, afirmou, não vai tolerar é que, ao não concordar com um colega de ministério, o titular de determinada pasta leve a pendenga para o Congresso, como acontecia no governo Lula, quando, por exemplo, Reinhold Stephanes (Agricultura) volta e meia atiçava os ruralistas contra Marina Silva (Meio Ambiente).

“A presidenta deu um recado claro de que vai cobrar lealdade e espírito de equipe no grupo de ministros”, diz um colaborador. Dilma alertou que o ministério “não é feudo de ninguém” e defendeu que os titulares das pastas trabalhem com os demais. Até por isso, dividiu o governo em quatro áreas prioritárias em que os ministérios se interligam: “erradicação da miséria”, “direitos da cidadania”, “desenvolvimento econômico” e “infraestrutura”. O Ministério da Saúde, por exemplo, está em três dos fóruns, só não participa de desenvolvimento econômico. Fazenda não está em direitos da cidadania, mas pode ser convocado a comparecer.

A fase atual é de organização. Dilma espera dos ministros o retorno da tarefa que lhes deu nos primeiros dias de governo, de levantar em suas pastas os programas que estão funcionando bem e os que não estão. E que ninguém volte para a presidenta com as informações pedidas iniciando a fala com a frase “eu acho que”, que Dilma abomina. “Se o cara chega para a presidenta e diz ‘eu acho que’ já era, vai tomar uma chamada inesquecível, do tipo: ‘Você não tem de achar nada, tem de saber’”, confidencia um palaciano.

Com fama de “acelerada”, Dilma tem se mostrado mais exigente do que Lula com os horários. Começa o expediente no Palácio do Planalto por volta das 9h30, após caminhar na esteira ou ao ar livre na Granja do Torto, onde ainda reside – só vai se mudar para o Alvorada em fevereiro. Reúne-se toda manhã com o chefe de gabinete, Gilles Carriconde Azevedo, e a ministra Helena Chagas, da Comunicação, que lhes expõem os principais assuntos do dia. A presidenta lê as notícias pelo clipping preparado diariamente. Por enquanto, almoça no próprio palácio, mas a tendência é de que isso mude após a ida para o Alvorada, que é mais perto do Planalto do que o Torto. Vai embora por volta das 21h30.

Dilma Rousseff realmente pretende falar menos do que Lula, tanto em entrevistas quanto em discursos e aparições públicas. Estratégia de marketing ou cansaço depois da superexposição vivida na campanha? Nada disso, garante um assessor da presidenta. “É da natureza dela ser mais discreta. Até na época do combate à ditadura Dilma era uma pessoa dos bastidores, do planejamento. Nunca foi para a linha de frente.” De todo modo, é onde agora está, e a discrição no cargo que serve para elogios pode servir para críticas amanhã. Os momentos de acerto no governo poderão ser justificativa para reparos ao figurino, e vice-versa. Ossos do ofício: mulher sempre fez mesmo jornada dupla.


Cynara Menezes


Cynara Menezes é jornalista. Atuou no extinto "Jornal da Bahia", em Salvador, onde morava. Em 1989, de Brasília, atuava para diversos órgãos da imprensa. Morou dois anos na Espanha e outros dez em São Paulo, quando colaborou para a "Folha de S. Paulo", "Estadão", "Veja" e para a revista "VIP". Está de volta a Brasília há dois anos e meio, de onde escreve para a CartaCapital

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