segunda-feira, 26 de julho de 2010

A conversão de Serra




O uso da retórica golpista completa o percurso de quem saiu da esquerda para cair no colo da direita

A campanha eleitoral desliza velozmente para um conflito, de dimensão e profundidade indefinidas, estimulado por uma legislação confusa que favorece a intromissão política e partidária de autoridades eleitorais na disputa presidencial.

O problema se aprofunda constantemente. Inicialmente foram insinuações veladas e, agora, surgiram claras intervenções públicas com clara conotação político-partidária que, frequentemente, beneficiam a oposição.

Desses maus exemplos, o mais recente foi dado pelo advogado Fernando Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e prontamente utilizado pelo candidato à Presidência, o tucano José Serra, conforme publicado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim no atento e corajoso site Conversa Afiada.

Depois de infringir o mais elementar comportamento democrático do debate político – ele “todo o MST deve apoiar Dilma” porque no governo dela “vai poder agitar mais e invadir mais” –, Serra botou Lula no alvo: “O advogado Fernando Neves (ex-ministro do TSE) disse uma coisa reproduzindo, talvez, Fernando Pessoa: ‘Tudo vale a pena se a multa é pequena’”.
Corrija-se. Não é reprodução. É paródia do poeta português.

Ophir Cavalcante, presidente da OAB, surfou nessa onda que pretendem transformar em tsunami. Segundo ele, a Justiça Eleitoral deve começar “a dar o cartão vermelho e pautar as condutas”.

A metáfora foi buscada nas regras do jogo de futebol. Com esse cartão, o árbitro expulsa o jogador de campo. Somadas as observações é fácil deduzir que querem introduzir a “pena de morte” na legislação eleitoral.

Como se fosse uma jogada treinada, Serra voltou ao tema. Ao falar do vazamento de informações da Receita Federal, em apuração no órgão, ele prejulgou e insinuou, sem qualquer prova, que a responsabilidade era do PT: “É um crime contra a Constituição”.
É a retórica golpista em razão da ausência de um programa estratégico nascido da incompetência para construir um discurso consistente diante dos índices de aprovação do governo e da popularidade de Lula.

Um presidente e um governo, mal avaliados, provocariam tais desatinos como provocou, por exemplo, no candidato a presidente José Serra?
Esse desatino de Serra foi traçado em decálogo esboçado, rápida e informalmente, pelo cientista político Wanderley Guilherme dos Santos. É assim:

1. Quebra de contrato – Protocolou documento em cartório firmando que não deixaria a Prefeitura de São Paulo para disputar a eleição de governador. E deixou.

2. Truculência – Anunciou que, se eleito, “peitará” o Congresso pela reforma política.

3. Inconfiável – Ao contrário do que dizia, bloqueou as prévias no PSDB e, sem consulta ao DEM, anunciou que o vice dele seria o senador tucano Álvaro Dias.

4. Deslealdade – Comparou que seu aliado FHC é psicologicamente igual a Lula.

5. Machista retrógrado – Conselho dado ao vice, Índio da Costa, sobre amantes: “Tem de ser uma coisa discreta”.

6. Paranoico – Diz-se perseguido pela imprensa.

7. Subserviência – Agrediu verbalmente um entrevistador e, depois, desculpou-se ao saber que se tratava de um repórter da TV Globo.

8. Antissindicalista – Considera “pelegos” os sindicatos e as centrais sindicais.

9. Obsessão do poder – Diz que se preparou a vida toda para isso.

10. Presunção autocrática – Assegura que é o candidato mais preparado e se apresenta como sendo, ele próprio, o programa de governo.

Em poucos dias de campanha, o tucano parece ter completado o ritual da conversão política. Da esquerda estudantil à vanguarda eleitoral da direita. CartaCapital

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