terça-feira, 27 de outubro de 2009

Não ao Esquecimento


“Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades”

Ana Paula Goulart Ribeiro

Cecília Bouças Coimbra e Elizabeth Silveira e Silva

O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, fundado em 1985, tem assumido um claro compromisso na luta pelos direitos humanos, pelo esclarecimento das circunstâncias das mortes e desaparecimentos ocorridos durante o período de ditadura militar e, ainda hoje, pelo afastamento imediato de cargos públicos das pessoas envolvidas com torturas e outras violações, afirmando uma postura ética, convicto de que estas são condições indispensáveis na luta hoje contra o esquecimento e a história oficial que nos tem sido apresentada.

Desde sua criação, portanto, o GTNM/RJ vem buscando informações oficiais sobre como, quando, por que, onde e por quem foram presos e assassinados os opositores políticos.

Em 1982, ainda durante o período da ditadura militar, foi ajuizada uma ação de responsabilidade da União perante a Justiça Federal, no Distrito Federal, na qual 22 famílias de desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia solicitavam o esclarecimento das circunstâncias das mortes, bem como a localização dos restos mortais e os respectivos atestados de óbitos daqueles militantes.

O processo se arrastou durante 21 anos quando, em 20 de junho de 2003, foi prolatada a sentença da Juíza titular da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, Dra. Solange Salgado da Silva Ramos de Vasconcelos, determinando a quebra do sigilo das informações militares de todas as operações referentes à Guerrilha do Araguaia.

Em novembro de 2003, a União recorreu, negando o direito dos familiares e de toda a sociedade brasileira às informações sobre esse período da nossa história, limitando-se apenas a acatar a determinação de localizar os restos mortais dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia – o que já consta da Lei 9.140/95 que, no entanto, atribuiu aos familiares os ônus das provas. Esta lei criou a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos que vem funcionando até hoje, sendo que um de seus objetivos é o de localizar os restos mortais dos desaparecidos, desde que lhe sejam fornecidas informações sobre os locais de sepultamento.

Entretanto, desde 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA havia feito a denúncia apresentada pelas entidades Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), Grupo Tortura Nunca Mais/RJ (GTNM/RJ) e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo contra o governo brasileiro, que não encaminhou as investigações sobre as circunstâncias das mortes e desaparecimentos ocorridos no Araguaia.

Em resposta à mobilização das entidades de diretos humanos nacionais e internacionais condenando a posição da União de recorrer da decisão judicial da juíza Solange Salgado, o governo federal, em outubro de 2003, criou uma Comissão Interministerial, constituída pelos Ministros da Justiça, da Defesa, da Casa Civil, pelo Secretário Especial de Direitos Humanos e pela Advocacia Geral da União, com a finalidade de obter informações sobre a localização dos restos mortais de participantes da Guerrilha do Araguaia. Esta comissão tinha um prazo de quatro meses, renováveis por mais dois, para reunir os elementos necessários à localização dos corpos dos militantes desaparecidos.

Somente em março de 2007, após três anos e cinco meses, foi divulgado o relatório da Comissão Interministerial informando que as três forças armadas não possuíam nenhum documento acerca do ocorrido na região do Araguaia entre 1972 e 1974.

Sabemos que existem inúmeras cópias de documentos daquele período em mãos de militares reformados, de particulares e na própria Secretaria Especial de Diretos Humanos que comprovam a existência desses arquivos. Em junho de 2009, por exemplo, o major do exercito Sebastião Curió Rodrigues de Moura – um dos repressores da guerrilha do Araguaia – apresentou ao Jornal Estado de São Paulo o que chamou de sua documentação sobre a guerrilha. Dentre outras informações afirmou que 41 guerrilheiros foram assassinados após terem sido presos.

Diante da indignação dos familiares, dos movimentos de direitos humanos e das pressões nacionais e internacionais, o governo federal, em mais uma mis-en-scene, em 3 de junho de 2009, formou, sobre a coordenação do Ministério da Defesa, um outro Grupo de Trabalho para localizar e identificar os corpos dos guerrilheiros na região do Araguaia, integrado fundamentalmente por militares do exército. Um deles, o General de Brigada Mario Lucio Alves de Araujo, comandante da equipe de apoio logístico no Araguaia, em 31 de março de 2008, em entrevista a um jornal, elogiou o golpe de 1964.

Mais uma onda de manifestações contrárias ocorreu e, diante disto, em 17 de julho de 2009, o governo criou um Comitê Interinstitucional de Supervisão das atividades daquele Grupo de Trabalho. Curiosamente este comitê também é coordenado pelo Ministro da Defesa e composto por militares, por alguns membros da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e pelo que esta sendo chamado de “observadores independentes”. Dentre eles, para surpresa de todos nós, consta o nome do Sr. Hugo Studart, que em seu livro sobre a guerrilha do Araguaia teve acesso a documentos oficiais das forças armadas, mantendo o nome dos militares em sigilo, utilizando seus codinomes. Esta “pesquisa histórica” continua encobrindo todos os responsáveis pelos crimes cometidos em nome da segurança nacional. Por tudo isso, os familiares e várias entidades de direitos humanos nacionais e internacionais estão exigindo do atual governo federal que:

• Outro Grupo de Trabalho seja criado e coordenado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos com a participação efetiva da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos. Entendemos que neste Grupo de Trabalho seja necessária a presença de familiares, de entidades de direitos humanos, do Ministério Público Federal, bem como de outras instituições da sociedade civil. Defendemos, portanto, que esse GT não tenha majoritariamente um caráter governamental, mas que seja apoiado efetivamente pelos órgãos oficiais no sentido de fornecer toda e qualquer infraestrutura necessária para a concretização dos trabalhos.

• Toda a documentação e depoimentos que foram acumulados ao longo dos últimos trinta anos através das várias caravanas realizadas pelos familiares e entidades na região do Araguaia sejam utilizados por este Grupo de Trabalho, assim como toda a documentação recolhida pelo Ministério Público Federal na região em 2001.

• Os documentos que se encontram em poder de militares e ex-membros do aparato de repressão – já declarados por eles publicamente - sejam exigidos judicialmente.

• A população local seja ouvida e seus depoimentos considerados documentos oficiais.

• Todos os militares e civis envolvidos na repressão à guerrilha do Araguaia sejam convocados judicialmente para depoimento.

• Todos os arquivos da ditadura sejam divulgados de forma ampla, geral e irrestrita.

Exigimos, portanto, que toda a sociedade brasileira saiba onde, como, quando e por quem foram praticados os crimes de lesa humanidade ocorridos no período de 1964 a 1985.

* Cecília Coimbra é psicóloga e atual presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ
** Elizabeth Silveira é bióloga e atual tesoureira do Grupo Tortura Nunca Mais.
Colaboração da amiga Soraia Portugal.

Um comentário:

SOS DIREITOS HUMANOS disse...

SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ:

No CEARÁ, para quem não sabe, houve também um crime idêntico ao do “Araguaia”, contudo em piores proporções, foi o MASSACRE praticado por forças do Exército e da Polícia Militar do Ceará no ano de 1937, contra a comunidade de camponeses católicos do Sítio da Santa Cruz do Deserto ou Sítio Caldeirão, que tinha como líder religioso o beato JOSÉ LOURENÇO, seguidor do padre Cícero Romão Batista.
A ação criminosa deu-se inicialmente através de bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram mulheres grávidas, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como feras enlouquecidas, como se ao mesmo tempo, fossem juízes e algozes.

Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará foi de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO / CRIME CONTRA A HUMANIDADE é considerado IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira bem como pelos Acordos e Convenções internacionais, e por isso a SOS - DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza - Ceará, ajuizou no ano de 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo que sejam obrigados a informar a localização exata da COVA COLETIVA onde esconderam os corpos dos camponeses católicos assassinados na ação militar de 1937.

Vale frisar que a Universidade Federal do Ceará – UFC, no início de 2009 enviou pessoal para auxiliar nas buscas dos restos dos corpos dos guerrilheiros mortos no ARAGUAIA, esquecendo-se de procurar na CHAPADA DO ARRARIPE, interior do Ceará, uma COVA COM 1000 camponeses.

Seria discriminação por serem as vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO “meros nordestinos católicos”?

Diante disto aproveitamos a oportunidade para pedir o apoio de todos os cidadãos de bem nessa luta, no sentido de divulgar o CRIME PERMANENTE praticado contra os habitantes do SÍTIO CALDEIRÃO, bem como, o direito das vítimas serem encontradas e enterradas com dignidade, para que não fiquem para sempre esquecidas em alguma cova coletiva na CHAPADA DO ARARIPE.


Dr. OTONIEL AJALA DOURADO
OAB/CE 9288 – (85) 8613.1197
Presidente da SOS - DIREITOS HUMANOS
www.sosdireitoshumanos.org.br