sábado, 26 de setembro de 2009

Lula retoma na ONU os tempos da luta sindical

O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ONU, denunciando os golpistas de Honduras, trouxe a memória o sindicalista Lula de quatro décadas atrás. A análise é do jornalista baiano Vitor Hugo Soares, no texto A camiseta de Lula e a ONU, no Terra Magazine.*

Foi um impacto, não nego. A câmera da televisão enquadrou a cara enfezada de Luiz Inácio Lula da Silva com toques de algum aprendiz americano do baiano Glauber Rocha. Era quarta-feira, 23 de setembro de 2009 e o presidente do Brasil caminhava para a tribuna onde faria, por praxe diplomática, o primeiro discurso na abertura da 64ª Assembleia Geral das Nações Unidas - proeminência da qual o dirigente brasileiro soube tirar proveito como raramente se viu naquele pedaço globalizado de Nova Iorque.

Mesmo metido em terno de corte impecável, cabelo e barba agora tomados de incontáveis fios brancos - mas aparados e cuidados por bom barbeiro de Brasília ou de São Bernardo - a imagem que a TV mandava para o mundo, empurrava a memória para São Paulo de uns 30 anos atrás.

A cidade onde em cada esquina se vendia aquela camiseta de algodão, com o desenho do então líder dos operários metalúrgicos do ABC. Lula com pinta de "sapo barbudo", como definiu o gaúcho Leonel Brizola ao retornar do longo exílio decorrente do golpe que derrubou o governo democrático do presidente João Goulart. Na camisa, o desenho do rosto do então líder operário de cabelos desgrenhados, cara amarrada, e o aviso escrito em tom vermelho: "Não mexa comigo. Hoje eu não tô bom!"

Lembram? Até em Montevidéu e Buenos Aires vi algumas delas penduradas nas barracas da feira de San Telmo e nos quiosques da Corrientes ou, do outro lado do Rio da Prata, na Avenida 18 de Julio, onde ainda era possível tropeçar com exilados brasileiros em cada esquina, mesmo depois da expulsão de Brizola para os Estados Unidos, pelos ditadores da turma da Operação Condor que mandavam por lá.

Mas o que quero mesmo dizer é: raras vezes nos últimos tempos, Lula esteve tão parecido com o cara da camiseta, como nesta semana, em Nova Iorque. É só conferir as imagens - o que não é fácil, porque a mídia brasileira (especialmente os jornais impressos e as grandes redes de TV), cobriu o assunto com displicente e estranha má vontade. Quase sempre em tom irônico ou abertamente ofensivo em relação às vítimas do golpe e benevolente, para dizer o mínimo, com os golpistas.

Vale observar que Lula modificou de última hora sua fala do chefe de Estado sobre temas mundiais mais candentes - como a crise financeira que amedrontou o mundo e o aquecimento global que ameaça o futuro do planeta - para introduzir um tema tipicamente latino-americano. A velha e sempre daninha tentação golpista contra regimes democráticos e as liberdades fundamentais no continente.

Esta questão, que parecia superada, foi retomada em junho passado, a partir da surpreendente, audaciosa e violenta deposição do presidente eleito de Honduras. Sob o argumento que tentava convocar um plebiscito para mudar a constituição e poder disputar um segundo mandato, Manuel Zelaya foi tirado da cama de madrugada, de pijama, com armas apontadas para sua cabeça por milires emcapuçados. Levado à força para o aeroporto, foi posto dentro de um avião militar e expulso de seu país e do governo legitimamente conquistado.

Episódio que agora recrudesce com consequências imprevisíveis, a partir do retorno do presidente - de surpresa para o ditador civil posto em seu lugar - , abrigado na embaixada brasileira em Tegucigalpa, em meio a cortinas de fogo e fumaça que o episódio levanta. Lula, o primeiro a gritar na primeira hora do golpe, não muda de tom.

Na ONU defendeu a imediata recondução do presidente eleito de Honduras ao cargo e exigiu a inviolabilidade da embaixada brasileira como preliminar para outras negociações legais e diplomáticas. Disse de forma clara e com a expressão apropriada, que se o fórum mundial em geral, e em particular o Conselho de Segurança não tomar uma posição firme desta vez sobre a crise em Honduras, outros golpes se seguirão.

"Não somos voluntaristas. Mas sem vontade política não se pode enfrentar e corrigir situações que conspiram contra a paz, o desenvolvimento e a democracia... A comunidade internacional exige que Zelaya reassuma imediatamente a Presidência de seu país e deve estar atenta à inviolabilidade da missão diplomática brasileira na capital hondurenha".

Ontem, em Pittisburgh, onde desembarcou para a reunião do G-20, o presidente não baixou o tom. Insiste na urgência do Conselho de Segurança da ONU entrar com firmeza no caso, "pois os golpistas estão exagerando, estão quase exigindo que o presidente eleito democraticamente peça desculpas por estar em Honduras".

E reservou as farpas finais para os que seguem firmes nas teorias de conspiração do Brasil mexendo os cordões em Honduras, ou priorizam nos espaços de informação mais o chapelão de Zelaya que a efetiva cobrança de responsabilidade dos que tocam, de fato, esta nova aventura golpista na América Latina.

"Vocês vão ter que acreditar num golpista ou em mim", disse Lula, ainda sem tirar a camiseta dos anos 70.

Façam suas apostas.

Fonte: Terra Magazine

Nenhum comentário: