quinta-feira, 23 de julho de 2009

O Neguinho e os amigos de 68

23/07/2009

Na imprensa ele ganhou, nos últimos dias, muitos e vários codinomes. Em todos os canais de tevê, em mais de um jornal do Brasil e do exterior, ele apareceu como o Último Exilado da Ditadura que volta ao Brasil, ou Último Exilado que volta depois de 40 anos, ou mesmo “Vuelve el último clandestino”. E disseram, em mais de uma língua e veículo:

"Após 40 anos de exílio na Suécia, chegou ao Rio nesta terça (21), recebido por amigos e familiares com faixas e cartazes, o ex-marinheiro Antonio Geraldo da Costa , de 75 anos, último exilado da ditadura militar. 'Neguinho-tigre', como era conhecido, é ex-integrante da Associação de Marinheiros em 1964, realizou ações da Aliança Libertadora Nacional (ALN), grupo armado de Carlos Marighella, e fugiu para a Suécia na década de 70. Só pediu anistia em 2005, mas temia voltar ao Brasil, porque não acreditava na democracia brasileira... " "Neguinho vivió seis años en la clandestinidad, después del golpe militar, cuando participó de asaltos a bancos en Rio y en San Pablo para financiar la lucha armada, y huyó de Brasil en 1970.. "

Mas o que a grande imprensa não sabe é que o Neguinho, o senhor Antonio Geraldo da Costa, é um personagem de tão extraordinárias aventuras que poderia aparecer em uma continuação, em um possível volume dois do Lazarilho de Tormes. Pois ele é, segundo o intelectual Léo, amigo seu de velhos tempos:

“O Neguinho estava em um navio no Recife quando houve o golpe de 64. Foi preso no navio. Alguns dias depois, estava sendo levado de um lugar do navio para outro, passando pelo convés, quando começou a ser hasteada a bandeira. Todos os marinheiros se perfilaram em posição de sentido. Neguinho aproveitou para descer a rampa e se embrenhou nas ruas do Recife.

Clandestino, ele participou da operação que deu fuga aos marinheiros que cumpriam pena na Lemos de Brito e de diversos ‘levantamentos’ de fundos bancários para financiar a atividade revolucionária. Eu conto algumas histórias dele no livro cuja publicação estamos preparando. A viagem dele e do Elio para a Suécia é um capítulo à parte - dois nordestinos perdidos na Europa”.

Guilem, um antigo combatente, que muitos chamam de Conde Cuxá, mas hoje é juiz na Suécia e poeta, conta:

“Menos de dois meses depois, recebi um telefonema da Polícia Dinamarquesa, perguntando se eu me responsabilizava por três ciganos, que juravam conhecer-me. Entendi que se tratava do trio que vinha do Chile e respondi que partiria em seguida para Copenhague para buscar os três. Lá
chegando, dirigi-me à polícia aduaneira que imediatamente levou-me aos ‘três ciganos’.

Vi-os e procurei explicar à polícia, com fartura de detalhes, que se tratava de dois brasileiros e uma chilena e que apenas estavam com as roupas um pouco amarfanhadas e cansados da viagem de navio, desde o Chile até a Itália e de trem até Copenhague, que o Neguinho e companhia não eram ciganos. Assinei um documento atestando minha responsabilidade sobre a alimentação e guarida dos três e partimos para a minha casa em Lund. Dias depois consegui bicicleta para os meus amigos e descobri que o Neguinho não sabia andar de bicicleta. Mas essa aventuras de como ensinei o Neguinho a andar de bicicleta depois eu conto”.

E por fim, este é o Neguinho segundo o ex-marinheiro e escritor Pedro Viegas:

“Eu não estava em casa (Vila Valqueire), quando uma menininha bateu à porta. Leda, minha mulher, atendeu. Ela disse que na pracinha (a uma quadra) tinha uma moça querendo falar com um de nós. Leda ficou intrigada, pensando: ‘se alguém, tão perto, quer falar com a gente, por que manda recado, em vez de vir até aqui’?

Mas, um tanto já escolada, suspeitou que alguma coisa muito especial estaria ocorrendo. Agradeceu à menininha e depois que a criança sumiu (era início de noite) foi até o local indicado. Quem era a ‘moça’? O Neguinho!”

Esse é o homem, o brasileiro que volta ao Brasil depois de 40 anos. Dele tive a sorte de saber porque participo do coletivo virtual chamado Os Amigos de 68. Virtual? Emendo: é um coletivo real, de gente capaz de ações de solidariedade que os tempos bárbaros não deixam ver. Como nessa recuperação da pátria brasileira para um exilado. Eliete, uma das mais ativas do grupo,
foi à Suécia e convenceu o amigo dos tempos de exílio a voltar, pois o Brasil era democrata, que novos tempos haviam chegado. A partir daí todo o coletivo se moveu para falar ao Ministro da Justiça, para avisar à imprensa, fazendo contatos mil.

O resultado está aqui <http://www.youtube.com/watch?v=0B4GFEkYIrI>

Artigo de Urariano Mota publicado no blog Direto da Redação.

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