quinta-feira, 30 de julho de 2009

O jeito demotucano de governar


À base do incentivo


30/07/2009

Leandro Fortes

Único governador do DEM (ex-PFL) eleito em 2006, o engenheiro José Roberto Arruda, do Distrito Federal, só tem medo que lhe perguntem uma coisa: sobre a sucessão de 2010. Nada a ver, exatamente, com questões eleitorais. No último ranking de avaliação de governadores feito pelo Instituto Datafolha, em março, Arruda aparece em sexto lugar numa lista de dez, com 59% de aprovação do eleitor. O problema é que Arruda não quer – na verdade, não pode – ser pego em mais uma mentira. A primeira, em 2001, quase lhe custou a carreira política. A segunda, caso se confirme, poderá lhe custar a reeleição. Por enquanto, o governador tem escapado dessa armadilha graças a um fenômeno de mídia. Na imprensa local, ninguém faz a Arruda perguntas incômodas.

A sombra da mentira que atualmente persegue o governador tem começo e meio, falta-lhe apenas o fim. No ano eleitoral de 2006, ele e o empresário Paulo Octávio Pereira se meteram em uma luta intestina para definir quem seria o candidato do então PFL ao governo do Distrito Federal. Na época, Arruda passou a perna em Paulo Octávio, candidato inicial do partido, e conseguiu o apoio do ex-governador Joaquim Roriz, do PMDB. Assim, relegou o empresário à condição de candidato a vice na chapa pefelista. Para não deixar feridas abertas e, principalmente, garantir a carteira de financiadores de campanha do DF, todos muito ligados a Paulo Octávio, Arruda costurou um acordo baseado em uma fatura eleitoral cada vez mais difícil de ser cobrada.

Em troca de ser o cabeça da chapa, em 2006, ele firmou o compromisso de, em 2010, deixar a vaga a Paulo Octávio e sair candidato a senador. Trata-se de um acordo público. Na posse da dupla, na Câmara Legislativa do DF, em janeiro de 2007, Arruda, recém-eleito governador, dirigiu as seguintes palavras ao vice Paulo Octávio, obrigado a engolir em seco a inversão de papéis às vésperas das eleições: “Este é um dos gestos mais difíceis de um homem de vida pública”. Desde então, ninguém mais teve coragem de cobrar do governador a promessa. O assunto tornou-se, simplesmente, proibido no noticiário local, assim como também não é de bom tom falar da mentira de 2001.

Para recordação: naquele ano, em conluio com o falecido senador Antonio Carlos Magalhães, do ex-PFL da Bahia, José Roberto Arruda, então senador pelo PSDB, ajudou a violar o painel do Senado Federal para ter acesso à votação secreta que havia cassado o mandato do ex-senador Luiz Estevão, do PMDB de Brasília. Flagrado, não se constrangeu em negar tudo, na tribuna do plenário. Uma mentira captada em cadeia nacional de tevê. Confirmado como responsável pela violação, renunciou ao mandato para não ser cassado, justamente, por ter mentido. Não são poucas as razões, portanto, para o governador do DF temer aparecer de novo como Pinóquio no noticiário.

Em Brasília, ao menos, isso não tem sido preocupação no Palácio do Buritinga, nome dado à sede do governo instalada por Arruda em Taguatinga, principal cidade-satélite do Distrito Federal, em alusão à sede tradicional, o Palácio do Buriti. O segredo dessa tranquilidade talvez possa ser explicado pelo conteúdo de duas notas de empenho e um contrato, todos de 2009. Juntos, somam 8,3 milhões de reais despejados pelo GDF, sem licitação, nas contas do Correio Braziliense, mais importante jornal da capital federal, e de duas das maiores editoras do País, Abril e Globo.

A primeira nota de empenho, de 15 de junho, no valor de 2,9 milhões de reais, diz respeito à assinatura de 7.562 edições diárias do Correio Braziliense a serem distribuídas, ao longo de 2009, a professores e alunos de 199 escolas do Distrito Federal. O contrato com o Correio, firmado com o secretário de Educação do DF, José Valente, prevê como fonte de pagamento o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. Trata-se de recurso destinado, originalmente, ao financiamento de educação básica, aí incluídos creche, pré-escola, ensino fundamental e ensino médio, além de educação de jovens e adultos.

Essa informação só foi colocada a público uma semana depois de a nota de empenho ter sido emitida pelo GDF, assim mesmo, graças a uma notícia publicada pelo principal interessado no negócio, o Correio Braziliense, em 22 de junho. Na matéria, na qual o valor do contrato não é mencionado, há uma entrevista com o secretário José Valente. Questionado sobre que utilidade daria ao jornal em sala de aula, -Valente saiu-se com uma pérola da moderna pedagogia universal. “Eu olharia o caderno de ‘Cidades’ e tentaria identificar nas notícias o que tem a ver com a cidade do aluno e o que dali é possível demandar”. E mais: “Depois de pegar o cotidiano de todo o DF, podemos (sic) analisar o do Brasil e do mundo”. Faltou, no entanto, combinar com os professores.

“Não houve nenhum planejamento pedagógico para a implantação desse tipo de programa nas escolas”, informa Antônio Lisboa, diretor de Imprensa do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF). Segundo ele, ninguém da categoria foi avisado do contrato firmado entre a Secretaria de Educação e o Correio. Foi preciso sair a nota no jornal para, então, o sindicato correr atrás do assunto. De acordo com Lisboa, só foi possível descobrir minimamente os termos do acordo graças a uma rotina de acompanhamento da execução orçamentária feita pelo gabinete do deputado distrital Chico Leite, do PT. Lá, descobriu-se, além do contrato do Correio Braziliense, a intenção de um outro, de fornecimento de revistas Veja, da Editora Abril, também para alunos e professores da rede pública de ensino do DF.

Emitida em 15 de junho pela Secretaria- de Educação do DF, a nota de empenho para a Editora Abril estampava um valor de 442,4 mil reais a serem pagos com recursos do Fundeb. Citava um contrato de vigência de um ano de “aquisição de assinatura da revista Veja na sala de aula”, mas não especificava o número de edições nem de escolas agraciadas. Coincidentemente, há duas semanas, a revista fez com José Roberto Arruda uma entrevista intitulada “Ele deu a volta por cima”, na qual o governador é pintado como um caso edificante de político pego com a boca na botija, em 2001, mas alçado depois ao sucesso nas asas do arrependimento.

De fato, Arruda deu a volta por cima, em 2002, ao ser eleito deputado federal pelo ex-PFL do DF, com mais de 300 mil votos. O curioso é isso só ter virado notícia, na Veja, sete anos depois e menos de um mês após o GDF ter destinado quase meio milhão de reais do Fundeb, sem licitação, para colocar a revista nas escolas públicas do Distrito Federal. Tanta coincidência, embora não tenha repercutido na imprensa local, acabou divulgada no site do Sinpro-DF e em blogs de jornalistas independentes de Brasília. Resultado: em 15 de julho, quatro dias depois de a entrevista de Arruda ter sido publicada, a nota de empenho foi cancelada “tendo em vista conter erro no campo fonte de recursos”.

O contrato com a Editora Globo, de 4,9 milhões de reais, nada tem a ver com a distribuição de revistas e jornais. Firmado com a Secretaria de Educação em 20 de março passado, trata da aquisição de 239,2 mil livros “com o fito de compor o acervo bibliográfico” das 620 escolas públicas do Distrito Federal, até 31 de dezembro deste ano. A fonte pagadora é o salário-educação, gerido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do governo federal – aliás, onde também está hospedado o Fundeb.

Embora procurado pela reportagem de CartaCapital, o secretário de Educação do DF, José Valente, não pôde ser encontrado porque, de folga, estava “o máximo incomunicável”, segundo a assessora de imprensa Mônica Torreão. Coube, então, à secretária-adjunta, Eunice Santos, responder aos questionamentos, por e-mail, via assessoria. Segundo Eunice, em relação ao Correio Braziliense, a proposta original veio da direção do jornal, mas foi encampada pelo GDF por conta do “contexto histórico único” do periódico que “nasceu com a capital da República e que comemorará seu cinqüentenário na mesma data da inauguração de Brasília, em abril de 2010”.

De acordo com a secretária Eunice Santos, o projeto, intitulado “Leio e escrevo meu futuro”, foi amplamente discutido internamente em dois encontros – 18 de março e 25 de junho – com gestores, coordenadores e chefes de núcleos de monitoramento pedagógico das diretorias regionais de ensino do DF. Nas ocasiões, teria sido distribuído aos presentes a íntegra do projeto, assinado por Fábio Pereira de Sousa, gerente de ensino fundamental da secretaria. À CartaCapital, o editor-chefe do Correio Braziliense, Josemar Gimenez, demonstrou surpresa ao ser informado de que o projeto é patrocinado pelo Fundeb. “Não estou sabendo disso”, afirmou. “Sei do contrato para distribuição de jornais, mas não sabia que era pago com dinheiro do Fundeb”, reforçou Gimenez.

Procurados para falar sobre o enigma da sucessão no DF em 2010, o governador José Arruda não se dispôs a falar. Segundo Paulo Octavio, o acordo dependerá das circunstâncias políticas. “Este acerto não foi feito comigo, mas com o partido. E será o partido que vai decidir”, afirma o vice.
CartaCapital.

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