domingo, 12 de julho de 2009

Garantir terras para índios Guarani Kaiowá é "questão de honra", diz presidente da Funai

12 de julho de 2009

O reconhecimento e a garantia do direito originário dos índios Guarani Kaiowá a terras em Mato Grosso do Sul, hoje ocupadas por atividades produtivas, é definido pelo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, como uma "questão de honra" para o Brasil e como "o principal desafio" após a confirmação da demarcação em faixa contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

A afirmação foi feita pelo pesquisador e mestre em antropologia social, de 45 anos, em entrevista à Agência Brasil. Os estudos de identificação das áreas em Mato Grosso do Sul serão retomados no próximo dia 20 por equipes técnicas, e o desejo de Meira é que sejam concluídos até o fim do ano.

Ilhados em pequenas áreas demarcadas nas primeiras décadas do século passado, em meio a grandes posses rurais, os Guarani Kaiowa passam por um dramático processo de violência e autodestruição que já resultou em inúmeras mortes por suicídio e assassinatos. Meira admite a responsabilidade histórica da União pela situação, que tem de ser corrigida.

"É uma questão de honra do país, não apenas para o presidente da Funai. O Brasil está sendo observado internacionalmente Trata-se de uma questão humanitária muito séria. Não podemos aceitar que, no âmbito da nação brasileira, tenhamos um grupo indígena vivendo nas condições precárias em que os Guarani Kaiowá vivem hoje", afirmou Meira.

O presidente da Funai reconhece a complexidade da situação fundiária em Mato Grosso do Sul e prega cautela na condução dos estudos antropológicos. O trabalho chegou a ser iniciado no ano passado, mas foi paralisado depois que equipes foram ameaçadas. Para não acirrar mais o conflito, a Funai paralisou os trabalhos e iniciou um diálogo com o setor produtivo e o governo do estado, com acompanhamento do Ministério Público Federal. O certo é que os estudos terão de ser concluídos.

"Só com base nesses estudos vamos ter um quadro mais claro de quanto será necessário fazer para o reconhecimento das terras tradicionalmente ocupadas. E é isso também que vai garantir segurança jurídica para o desenvolvimento do estado", argumentou Meira.

"É um caso de muito conflito e exige cautela. Vários indígenas foram assassinados na região, sofrem violência e preconceito. É uma região em que a expansão econômica da agroindústria foi muito forte nos últimos anos. Não queremos que garantia dos direitos dos povos indígenas seja feita com sangue e com mortes", acrescentou.

A área reivindicada pelos Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul está ocupada por pessoas que receberam títulos de posse. O próprio governo do presidente Getúlio Vargas (1930-1945 e 1950-1954) fez um projeto de colonização no estado. Fazendeiros que hoje produzem lá soja, cana e etanol são netos daqueles que foram para lá como pioneiros. Mesmo assim, segundo Meira, prevalece o direito originário dos índios sobre as terras.

"Vale mais o direito originário do índio, que é constitucional. Todos os atos normativos são nulos quando o Estado reconhece que a terra é tradicionalmente ocupada pelos índios", defendeu.

Independentemente do trabalho de identificação preparado pela Funai, a disputa pelas terras em Mato Grosso do Sul pode acabar na Justiça. Na decisão referente à Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu condicionantes às quais, em tese, estariam submetidas a futuras demarcações. Uma delas estabelece a vedação do aumento de áreas já demarcadas, mas, no entender da União, isso só se aplica às demarcações feitas após a Constituição de 1988.

"Há uma quantidade de terras demarcadas muito antes da Constituição de 1988 , nas décadas de 20, 30 e 40, quando os critérios não eram antropológicos. Muitas vezes, essas terras foram demarcadas expropriando de forma abusiva e violenta a população indígena que ali estava ocupando-as de forma tradicional. Estamos falando de correção de limites de terras indígenas tradicionalmente ocupadas", ressaltou Meira.


Agência Brasil

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