quarta-feira, 15 de julho de 2009

Brasil é a bola da vez


Autor(es): Daniele Camba
Valor Econômico - 15/07/2009

O Brasil muitas vezes foi visto como a bola da vez em momentos de crise. A diferença é que agora é para o bem. O investidor Whitney Tilson está impressionado com a qualidade das empresas brasileiras. Gestor de um fundo hedge americano e seguidor da filosofia de investimento de Warren Buffett, Tilson veio ao Brasil para lançar seu livro sobre o problema do mercado de hipotecas de alto risco nos EUA ("subprime") e para conhecer de perto algumas companhias. Para ele, entre os países emergentes, o Brasil é de longe o melhor para investir hoje. No entanto, o executivo americano acha que as ações já subiram muito nos últimos meses e o melhor é esperar uma nova queda - que, na opinião dele, certamente virá - para comprar esses papéis a preços bem mais atraentes.

E essa percepção positiva sobre o mercado brasileiro não é pouco. Em dez anos de existência, o fundo gerido por Tilson, o T2 Partners LLC, com patrimônio de US$ 100 milhões, investiu apenas nos EUA e no Canadá. O Brasil foi escolhido como o primeiro país para diversificar as aplicações. O gestor tem uma lista de motivos para essa escolha. Os principais são: os sólidos fundamentos macroeconômicos; o fato de o governo se importar com o mercado financeiro; a boa qualidade da gestão das companhias abertas; e o tratamento dado aos acionistas minoritários. "O Brasil se move rapidamente na direção correta, tanto em termos macro quanto microeconômicos, enquanto outros países emergentes continuam patinando ao redor dos mesmos problemas."

Interessado em investir em companhias brasileiras, Tilson esteve no país para participar de uma série de reuniões promovidas pelo Citi entre empresas e investidores. Conheceu companhias de vários tipos e setores como Itaú, Bradesco, Cyrela, Brascan, Rossi, PDG, Drogasil, AmBev e Redecard. Sua impressão não poderia ter sido melhor. "Fiquei absolutamente surpreso ao ver como as companhias brasileiras são de excelente qualidade", afirmou Tilson ao Valor. "Além de terem números muito bons, como margem de lucro e retorno sobre o capital, possuem uma governança corporativa superior à maioria dos outros países", disse.

Entre as várias empresas que conheceu, a que o gestor mais gostou foi da AmBev. "Fiquei impressionado ao ver o seu nível de retorno sobre o capital, extremamente alto, e o tamanho da sua participação no mercado de bebidas", disse Tilson. Ele também se mostrou bastante interessado em Redecard. Comparando a companhia brasileira de processamento de cartões com similares americanas, a Redecard cobra uma taxa por transação bem mais alta e ainda paga o lojista apenas 30 dias depois, enquanto as internacionais repassam o dinheiro ao lojista um ou dois dias após a transação, explicou o gestor.

Tilson ainda gostou dos fundamentos da Drogasil e do grande potencial de crescimento das construtoras. "O setor imobiliário americano representa cerca de 80% do Produto Interno Bruto (PIB); já no Brasil, é apenas 2% da economia, num país desse tamanho", disse o executivo.

Com tanto interesse, em quantas empresas do Brasil o gestor americano investiu recursos de seu fundo hedge? Nenhuma. A bolsa brasileira, assim como boa parte de outros mercados, subiu bastante nos últimos meses e as ações ficaram muito próximas dos preços considerados justos pelos analistas. Assim como o megainvestidor Warren Buffett, Tilson acredita que o melhor momento para investir é quando o mercado está em pânico e as ações caem de forma acentuada, inclusive as boas. "Os mercados passarão por outras fases de pânico como a que se viu entre setembro e outubro do ano passado; aí sim conseguirei comprar papéis de boas empresas brasileiras a preços bem menores", afirmou o gestor.

Tilson é taxativo ao dizer que não compra ações em ofertas públicas iniciais (IPOs, em inglês). E explicou o motivo: "Se o momento é bom para a empresa vender suas ações, provavelmente não é bom para o investidor comprar." Em uma década de gestão do fundo hedge, Tilson nunca investiu em ações durante o processo de IPO. Na opinião dele, o melhor momento de se comprar ações de companhias novatas no mercado é quando elas não conseguem cumprir suas próprias estimativas de resultados (conhecidos como "guidances"). Nessa hora, os papéis costumam cair bastante, mas se a empresa realmente tem bons fundamentos é uma questão de tempo para voltarem a se valorizar. "De modo egoísta, espero que a bolsa brasileira caia para que eu possa colocar o primeiro pé no Brasil comprando todas as ações que gostei", completou Tilson.

Esse sentimento negativo do gestor com relação aos IPOs tem embasamento teórico. No livro "Investindo em Ações no Longo Prazo", o professor de finanças Jeremy Siegel conta que, dos 8.606 IPOs americanos analisados por ele, 6.796, ou 79% do total, tiveram retornos inferiores a um índice de empresas de menor liquidez (as "small caps") e quase a metade deles teve ganhos pelo menos 10% inferiores ao índice.

Quanto à recente valorização das bolsas, Tilson lembra que ela ocorreu graças à percepção dos investidores de que o mundo passa por uma recessão, e não depressão como se temia poucos meses atrás. "Há três meses, as chances de depressão eram de 30% e hoje são de 10%", estimou Tilson. Na opinião dele, a recuperação dos ativos dará lugar a novas baixas. Isso porque, segundo o gestor, num período de 100 anos, os mercados passam por três ou quatro grandes quedas (conhecidas como "secular bear market"), que costumam durar entre 15 e 20 anos. Há dez anos, o mercado americano se encontra numa dessas fases, que deve durar ainda mais uns cinco anos, estimou o gestor.

O primeiro capítulo da atual crise financeira foi a inadimplência descontrolada das hipotecas americanas de alto risco ("subprime"), que somam cerca de US$ 1,5 trilhão. Na visão de Tilson, os novos problemas na economia e, consequentemente, nos ativos financeiros, virão dos calotes em todos os outros segmentos de crédito, como as hipotecas de baixo risco, os cartões de crédito, as dívidas das pessoas físicas e os empréstimos para as companhias. Só o setor americano de hipotecas como um todo chega a US$ 10,5 trilhões.

"A economia enfraquecida provoca um efeito em cascata: sem emprego e sem renda, as pessoas deixam de consumir e de honrar seus compromissos", disse. Em 2007, ao ver um levantamento sobre o alto nível de inadimplência das hipotecas de alto risco, Tilson percebeu que aquela era uma panela de pressão prestes a estourar e sobre a qual escreveu um livro chamado "More Mortgage Meltdown", algo como "mais derretimento imobiliário", ainda sem versão em português.

Entre os parceiros do Brasil na sigla Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), Tilson disse que, na Rússia, por exemplo, as empresas costumam "roubar" os acionistas, enquanto que na Índia é impossível fazer negócio, pois as empresas e o governo são altamente corruptos. Já no caso da China, o mundo corporativo ainda é bastante fechado e desconhecido. "O Brasil é erroneamente visto lá fora somente como um grande exportador de commodities, mas possui um forte mercado doméstico, que o torna muito mais resistente a essa crise do que a maioria das outras nações", observou o gestor.

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