sexta-feira, 31 de julho de 2009

As normas da guerra


31/07/2009

Por Mauro Santayana

Dispõe-se o PMDB a contra-atacar, e denunciar ao Conselho de Ética, o senador Arthur Virgílio. O representante do Amazonas foi ligeiro e descuidado ao chefiar o movimento contra o presidente da Casa. Por mais que os fatos pudessem ampará-lo, não dispunha Sua Excelência das virtudes de Catão, o senador que, coerente em sua oposição ao Primeiro Triunvirato e, depois disso, a César, não hesitou em matar-se em Ústica, depois da derrota de Pompeu. Catão tentava, honradamente, servir à República que pereceria com César. Virgílio busca a sobrevivência política, depois da pesada derrota que lhe impôs o eleitorado amazonense, nas últimas eleições para o governo do estado.

Os que tomaram a iniciativa do contra-ataque se encontram também envolvidos em atos de difícil explicação. Transfere-se para o habitual espetáculo das comissões – nesse caso, a de Ética – o confronto entre os dois grupos. Neste momento, o senador Arthur Virgílio deve estar arrependido das acusações que dirigiu a Sarney: faltou-lhe, antes, reforçar o seu telhado. Ser-lhe-á difícil transformar em ato virtuoso a cortesia, com o dinheiro público, que fez a um de seus assessores, enviando-o a Paris, a fim de, em ano e meio, recensear as nuvens sobre o Sena. Mais difícil ainda será nos convencer de que é uma atitude republicana debitar ao Erário o elevado e inusitado custo do tratamento médico de sua mãe.

Falta-nos compreender que a representação parlamentar não é uma profissão, que deva ser excepcionalmente bem paga. Os subsídios parlamentares são indenizatórios, não remuneratórios. Indeniza-se o representante do povo o tempo que ele lhe dedica. O cidadão, contribuinte, paga a seu procurador. Essa compensação não pode ir além do que recomenda o bom senso. Na Grécia clássica, o misthos, ou o salário dos dirigentes, escolhidos por sorteio, ou eleitos, foi instituído a fim de evitar a corrupção dos pobres, que não tinham como cuidar de sua família enquanto deixavam suas ocupações a fim de servir à cidade. No contestado sistema soviético, os parlamentares – que se reuniam apenas dois ou três meses por ano – continuavam recebendo seus salários normais e tinham as despesas de transporte e hospedagem, em Moscou, ou nas capitais das repúblicas, pagas pelo Estado.

O parlamentar continua sendo um cidadão comum – e é nessa consciência de que é igual a seus eleitores que se legitima sua representação. No momento em que ele se sente acima dos cidadãos, relega ao segundo plano a responsabilidade. Nesse entendimento, ninguém é mais do que ninguém. Os homens públicos só se destacam pelos seus méritos, e a arrogância não é virtude.

A política se transformou em uma forma de ganhar a vida – aqui e alhures – e os que a exercem constituem uma corporação, devotada a si mesma, como os fatos comprovam. Só quando a disputa pelo poder se acirra, a omertà é rompida. Se é da astúcia e do direito do PMDB retaliar, é também da circunstância o perigo de que o conflito verbal e a troca de documentos acusatórios não tenham fim. Ao opor-se uma retaliação a outra, no entanto, há alguma probabilidade de que a verdade aflore, em todas as suas dimensões, o que seria bom para o desenvolvimento do processo democrático. Há, sem embargo, a necessidade de que os embates se cerquem de algumas regras de cavalheirismo. Corremos o perigo de que, sem normas, a guerra transborde do Senado para a Câmara dos Deputados e se espraie pela Esplanada e a Praça dos Três Poderes.

O PMDB – e é penoso constatar isso – ao perder seus líderes históricos, perdeu a bússola ética. Os honestos remanescentes de seus tempos heroicos vagam, atarantados, procurando desviar-se das poças turvas. Apesar dessa derivação moral de seus dirigentes nacionais, o grande partido é ainda o mais importante do Brasil. Seus militantes e filiados de base, em todos os estados e municípios, se apegam à legenda que um dia aglutinou a resistência contra o arbítrio, a esperança de justiça, a construção do Estado e a defesa dos interesses permanentes do povo brasileiro. Recuperar as bandeiras éticas do partido seria consolidar uma força democrática de centro, necessária às reformas que a nação vem esperando há mais de 50 anos.

As grandes massas que seguem os postulados da velha legenda se encontram à espera daqueles que as possam conduzir nessa aspiração restauradora – mas não está sendo fácil encontrá-los.
Colaboração Nancy Lima.

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