segunda-feira, 20 de abril de 2009

A matança: morre cidadão, morre!


Ricardo Giuliani Neto - 20/04/2009


Mortos e mortos e mortos e mais muitos mortos. Assim fazemos as contas de final de semana. Neste, lá sei eu quantos foram arrancados de suas vidas pelo trânsito, pelos homicídios, pela estupidez emprenhada por uma racionalidade humana cada vez mais incompreensível?

Nas minhas aulas, semanalmente, cultivava o hábito de trazer estatísticas de “mortos de trânsito” para tentar mostrar aos meus queridos alunos a carnificina proporcionada nos dois dias reservados pra descanso. O número de alunos da turma era o divisor macabro e, a cada semestre, calculávamos quantas turmas, virtualmente, perdíamos a cada quatro meses letivos. Em média, hipoteticamente, descansavam a alma de 4 a 5 turmas! Para tua informação, caro leitor, minhas turmas têm em média 50 alunos... E, pasme, os mortos, eram os defuntos cuspidos pelas estradas do Rio Grande do Sul, os perecidos no asfalto.

É uma geração indo embora em vista de causas tão absurdas. Os custos pro país, pra sociedade, são enormes. Consideradas as mentes e os amores, nossas perdas não têm preço.

Desisti neste semestre. Parecia que o esforço de remexer estômagos e inteligências, a cada semana, não valia a pena; puro sofrimento. Mas acho que devo retomar a macabra contabilidade. Algo precisa ser feito e a minha parte tenho que fazer. Não posso desistir da minha consciência.

Façamos a conta dos homicídios: Um escândalo. Não sei se a fanfarronice dos responsáveis pela segurança pública são os únicos responsáveis por isso tudo. Até acho que não o são. Mas é fato, os números estão matando os que não morreram. Lembram-se do ocorrido no Rio de Janeiro, onde uma mega-manifestação, de mil pessoas deitadas sobre as calçadas simulavam a morte dos mil mortos somente nos três primeiros meses do ano. Absurdo! Matam os vivos pelo simples fato de terem que (con)viver com a tragédia que rouba nossos filhos pequenos, os filhos grandes, e que nos faz temer pelos filhos ainda não tivemos.

Ora, não há como vencer este estado de coisas se a sociedade não se der conta que o problema está nela própria. Não se tem notícia, por exemplo, de que a cocaína seja consumida sobre os morros ou em zonas empobrecidas. Sabe-se dos morros de cocaína cheiradas pelos pobres de espírito nas altas rodas da sociedade; sabe-se de um mercado conhecido, que vai (des)conhecido pelas autoridades públicas. Isso, o efeito avestruz, está na sociedade, uma sociedade que não se faz cidadã.

Já fomos cidadãos um dia. Exigíamos direitos pelo simples fato de titulá-los; passamos a ser contribuintes, exigindo direitos porque pagávamos impostos. Hoje, reduzidos a consumidores, reclamando na demora dos call center, reduzindo nossos direitos a ter um produto adequado numa sociedade de consumo que nos consome a todos.

A matança física é brutal, mas nada é comparável a morte do cidadão. E, acreditem, estamos todos agonizando.

Sugestão de leitura: Lacrimae Rerum, Slavoj Zizek.

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