terça-feira, 31 de março de 2009

Mendes e o STF


Wálter Fanganiello Maierovitch

Das perguntas que me chegam, as mais frequentes referem-se à passividade dos dez pares do ministro Gilmar Mendes diante do seu comportamento público, à frente da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF). Caso o ministro fosse síndico de prédio, e após a sua sabatina no jornal Folha de S.Paulo, não teria dúvida quanto à sua destituição por assembleia extraordinária de condôminos.

No momento, não sei informar se o presidente Mendes já foi questionado ou censurado em privado por algum outro ministro do STF. Também ignoro se algum dos colegas lembrou-lhe de um fundamental ensinamento de Rui Barbosa: “A majestade dos tribunais assenta na estima pública”.

Basta atentar para as seções de cartas de leitores nos jornais ou em comentários nos blogs para se aferir a reprovação ao ministro. O pior é que o seu desprestígio respinga na imagem do STF.

O ministro Mendes, pelo que se infere da sabatina na Folha, não mais possui anteriores e diamantinas certezas sobre ter sido feito por agentes da Abin ou da Polícia Federal o “grampo sem áudio” (falta de prova da materialidade delitiva) de que teria sido vítima. Muitos suspeitam de “armação” do próprio ministro. Tudo, sem prejuízo das suas abusivas condutas, ao chamar o presidente às falas e de exigir o afastamento do delegado Paulo Lacerda.

Durante a sessão de julgamento do segundo habeas corpus de Daniel Dantas, ficou claro contar o ministro Mendes com o apoio da maioria dos seus pares. O ministro Eros Grau, por exemplo, e depois do voto esmiuçado e fundamentado do ministro Marco Aurélio Mello, que denegou a ordem de habeas corpus a favor de Dantas, pareceu não ter lido os autos. Nem mesmo compreendido que a segunda decisão, impositiva de prisão preventiva, tinha fundamento completamente diverso da anterior, de prisão temporária. Mais estava a segunda decisão do juiz Fausto De Sanctis fulcrada em provas novas, a evidenciar a necessidade de uma prisão cautelar, de espécie diversa da anterior.

A indignada reação popular pós-soltura liminar de Dantas, em face de decisão a contrariar jurisprudência sumulada, e a solidariedade ao juiz De Sanctis, que responde a absurdo procedimento administrativo a afrontar a independência em matéria jurisdicional conferida aos juízes pela Lei Maior, parece calcada na certeza expressa pelo filósofo grego Sólon, falecido em 558 a.C.: “A Justiça é como uma teia de aranha; prende os insetos pequenos, enquanto os grandes rompem a tela e permanecem livres”.

Na supracitada sabatina, Mendes destacou ter a imposição da segunda prisão do banqueiro Dantas sido realizada com o intuito de desmoralizar o STF. Pela reação da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), em nota tornada pública, está claro que Mendes é quem desmoraliza o STF: “É imperioso lembrar que, ao julgar o habeas corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal em favor do banqueiro Daniel Dantas, um dos membros desta Corte, o ministro Marco Aurélio, negou a ordem, reconhecendo a existência de fundamento para a decretação da prisão. Não se pode dizer que, ao assim decidir, esse ministro, um dos mais antigos da Corte, o tenha feito para desmoralizá-la. Portanto, rejeita-se com veemência essa lamentável afirmação”.

Não bastasse o juízo canhestro sobre a desmoralização do órgão supremo do Judiciário, Mendes sustentou terem juízes pressionado desembargadores para a não concessão de habeas corpus a Dantas. Segundo a Ajufe, a assertiva do presidente do STF foi leviana. O incrível, a respeito, é o fato de Mendes não ter provocado, no CNJ, nenhum procedimento disciplinar contra os juízes que acusou de pressionarem desembargadores, como se isso fosse possível.

O divórcio entre os prejulgamentos feitos por Mendes e as decisões de juízes das cortes regionais causa escândalo entre os cultores do Direito e das tradições da Suprema Corte, que teve ministros cassados pela ditadura. Nesta semana, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal negou habeas corpus em favor de Dantas, para trancamento da ação penal por corrupção. Considerou-se legal a cooperação entre a Abin e a Polícia Federal na Operação Satiagraha.

Sobre o caso Battisti, em breve na pauta do STF, já se conhece a posição de Mendes. Ele anunciou que a jurisprudência poderá mudar. Segundo o ministro, como o Brasil, desde 1998, celebrou um tratado de cooperação judiciária com a Itália, sendo ele expresso sobre extradição, a última palavra ficará com o Supremo. Não com o presidente Lula, como se deu no caso do traficante colombiano Juan Carlos Abadía. A respeito, o erro do ministro está em antecipar posições e não no seu entendimento. Esse entendimento poderá ajudar Lula a se livrar da infeliz decisão de Tarso Genro, de a Itália não ter condições de preservar a vida de Battisti: uma decisão sem fundamento em prova de dentro e de fora dos autos. Ou seja, uma decisão arbitrária.

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