segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

FENÔMENO LOCAL



Nirlando Beirão


Se quiser entrar em forma, rapidinho, vai ajudar ao Ronaldo, o Fenômeno Ressuscitado, saber que o prédio no qual ele pretende morar, em São Paulo, fica a cem passos do lugar onde freqüentemente terá de suar a camisa. O flat dos artistas – por conveniência geográfica em relação aos teatros – e dos jogadores – já que a paisagem inclui as menininhas da Faap – descortina, lá de cima, na imponência imperativa de seu estilo art déco, a fachada do Pacaembu.

É só o craque botar a chuteira debaixo no braço e se dirigir a pé, tanto quanto um exemplar trabalhador, ao local do batente.

É curioso que Ronaldo tenha escolhido, de cara, o bairro de Higienópolis, que é a coisa menos parecida que existe, do Rio até Buenos Aires, com aquele gênero faroeste-fumê que faz o fascínio dos desportistas emergentes – Ronaldo inclusive – na Barra da Tijuca. Higienópolis tem pose de velha senhora, edificações que precedem a era dos SUVs e uma cadência sonolenta que, contudo, não deve ser confundida com adormecida decadência.

Talvez o craque estranhe tantas farmácias na vizinhança. Não é nada pessoal. Perigo mesmo é ter por perto o polpettone do Jardim di Napoli, o foie gras do Eric Jacquin e os pães do Abrahão.

Higienópolis guarda uma fisionomia européia com a qual Ronaldo, expatriado desde 1994, tem intimidade, mas as alamedas e praças arborizadas já foram surpreendidas por surtos de tropicalidade, como aqueles monumentos ao kitsch ali plantados pelo arquiteto Artacho Jurado. Será conveniente que alguém avise a Ronaldo que a atordoante apologia ao pink do prédio Cinderella, na rua Maranhão, não vem a ser nenhuma menção à sua animada vida pregressa.

O que, aos olhos forasteiros, distingue Higienópolis, além da concentração de sinagogas, é sua coerência político-partidária. Aquilo ali é o alcatifado ninho do tucanato. Quem não é tucano está louco para ser, na crença enganosa de que usar cardigãs reforçados nos cotovelos e passear com cãezinhos com corpetes Burberry obriga a um desprezo ideológico pela plebe rude e pelas celebridades de tevê – esse jeito tão PSDB de ser.

Adriane Galisteu e Ana Paula Arósio são do quartier, mas Fernando Henrique Cardoso está lá, naquele apartamento da rua Rio de Janeiro que já pertenceu a um Safra, para fazer prevalecer entre esses futuros vizinhos do player o critério de uma rigorosa seleção. Morar em Higienópolis não é para qualquer um. Higienópolis não é bairro, é atitude.
CartaCapital.

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