segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

EM BUSCA DE UM NOVO PAPEL



Redação CartaCapital


A crise que atinge o Brasil é a mesma que varre os mercados financeiros de todo o mundo, mas as medidas a ser adotadas não precisam mais seguir a cartilha neoliberal. Essa foi a conclusão unânime dos economistas reunidos em Curitiba no seminário Crise: Rumos & Verdades, entre 7 e 11 de dezembro. Reduzir a exposição às turbulências internacionais, estabilizar o câmbio, reforçar o consumo interno e os investimentos públicos foram algumas das medidas destacadas como fundamentais para o País emergir do cenário atual em condições de assumir um papel relevante na ordem econômica global.

“Temos de articular uma frente para manutenção dos investimentos públicos e privados, para empurrar o Brasil para a frente”, defendeu o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa, um dos debatedores do evento. Para isso, ele propôs uma combinação entre projetos de infra-estrutura com o estímulo à exploração das novas reservas de petróleo, mesmo que seja necessário utilizar mais recursos fiscais. “O mundo globalizado em crise desmonta as muralhas tecnológicas. Temporariamente, é possível transpor uma série de barreiras e construir uma nação capaz de integrar os brasileiros aos benefícios da modernidade”, sugeriu.

O senador Aloizio Mercadante exibiu dados que mostram o Brasil mais bem preparado para enfrentar a atual crise, com reservas superiores a 200 bilhões de dólares, dívida pública abaixo de 40% do PIB e um sistema financeiro pouco alavancado. Ao mesmo tempo, a economia vem crescendo a um ritmo médio de 4,8% nos últimos quatro anos, com avanços na distribuição de renda. “O Brasil tem condições de amenizar os impactos da crise e sair na frente. Mas é preciso audácia”, concluiu.

As discussões receberam uma injeção de realidade ao abrir espaço para representantes de entidades da indústria e do comércio. O presidente da Gradiente, Eugênio Staub, lembrou que o Brasil, diante da crise iniciada com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, redefiniu o modelo de desenvolvimento e iniciou o processo de industrialização. “O governo federal, com coragem, comprou sacas de café e queimou, quando o produto perdeu o valor. Equivaleria a destruir 1 milhão de carros hoje. É uma piada, mas mostra a importância de pensar livremente, aproveitar as oportunidades”, afirmou.

O presidente do Grupo Positivo, Oriovisto Guimarães, disse ser quase impossível gerir a fabricante de computadores com as atuais oscilações cambiais. “Vamos participar de uma licitação para fornecer 170 mil máquinas ao governo federal e temos de fechar o preço em reais. Como eu fecho essa conta, se os componentes são importados?”, provocou. A empresa, de acordo com o executivo, é dona de uma fatia do mercado nacional maior do que a soma das gigantes mundiais Dell e HP.

Lessa alertou para a formação de uma bolha interna no Brasil, a partir dos empréstimos e financiamentos concedidos a uma parcela da população que não tinha acesso ao crédito. “Esse movimento ocorreu em cima do crescimento do emprego e da renda, mas as famílias estão perto do limite do endividamento. Enquanto a economia cresce, vai tudo bem”, descreveu.

Para o diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Sicsú, a grande parcela carente da sociedade brasileira deve ser vista não como um risco adicional, mas como uma oportunidade de superar a crise. “O que nós temos de negativo pode se transformar em positivo. A saída para manter a economia brasileira em ritmo de crescimento no próximo ano é ampliar o valor e a cobertura dos programas sociais. Isso é dinheiro colocado na mão de quem tem alta propensão a consumir”, afirmou.

Sicsú destacou a velocidade dos investimentos e da geração de empregos no País nos últimos anos. Uma forma de mostrar que, se os custos trabalhistas não foram empecilho para as contratações em um momento de atividade aquecida, tampouco a redução de direitos dos funcionários deverá evitar as demissões caso a crise se agrave. “É preciso que a economia volte a se movimentar, e quem pode fazer isso acontecer é o governo, ao socorrer o setor privado”, defendeu.

O economista da UFRJ Reinaldo Gonçalves criticou o viés contracionista nos gastos do governo, apontando o encolhimento do Estado como uma atitude diametralmente oposta ao que tem sido feito no restante do mundo. “A taxa de juros baixou no mundo todo e aumentou na fonte no Brasil. O spread foi de 300 para quase 600 pontos. Além da covardia e incompetência, há políticas contrárias ao que um protocolo internacional de enfrentamento de crises recomenda”, afirmou.

“É uma ilusão pensar que é possível crescer e se desenvolver sem a presença decisiva do Estado”, completou o professor da Unicamp Wilson Cano. O professor afirmou que o momento é o ideal para dar início a um amplo plano de soberania nacional, de longo prazo, com ênfase na solução de deficiências em áreas como habitação, saneamento básico, transporte, saúde e educação. “Desenvolvimento econômico não é restrito ao campo da economia, pertence em grande parte à política”, acrescentou.

O papel do governo na adoção de medidas contra a crise também deu a tônica da participação do presidente do Ipea, Marcio Pochmann, no debate. O economista defendeu instrumentos capazes de ir além do aumento de gastos públicos e regulação propostos pelo modelo keynesiano. “Tais medidas não serão suficientes, como foram em 1929. Precisamos de ações que superem o espaço nacional, e nesse sentido o Brasil poderia ser protagonista de políticas no âmbito da América Latina. Espera-se que o País assuma esse papel, assim como outros presidentes tentam fazer noutras regiões do mundo”, afirmou.

Pelas projeções do Ipea, o Brasil não só escapará da recessão em 2009 como deverá fechar o próximo ano com crescimento de 2,8%, na esteira do avanço da economia acumulado em 2008. “Haverá efeitos sociais. Se crescermos abaixo de 4,5%, não vamos gerar empregos para os que chegam ao mercado, tampouco teremos condições de ocupar os 8,5 milhões de desempregados”, explicou Pochmann. O economista vê espaço para ações na área fiscal para amenizar o impacto da crise sobre a população. “Uma carga tributária menor para os mais pobres aliviaria o peso da crise.”

As discussões foram acaloradas e as idéias as mais variadas, mas o professor da Unicamp Ricardo Carneiro encontrou o ponto em comum nas mesas de debate. “Somos todos desenvolvimentistas”, afirmou. “Depois de fazer o esforço necessário para retomar o crédito e reduzir a especulação cambial, precisaremos pensar em frentes de expansão. Acabou, para além da ideologia, a idéia de que o setor privado vai levar o processo de desenvolvimento”, defendeu o economista. “Vamos enfrentar uma batalha comercial nos próximos anos, que terá como alvo os países com grande mercado interno.”

Totalmente transmitidas pela TV Educativa do Paraná e também via internet, as discussões do seminário prosseguem via internet, no site www.crise.pr.gov.br, aberto para idéias e sugestões relacionadas aos temas propostos. O cidadão comum também poderá enviar perguntas sobre finanças pessoais relacionadas à crise.

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