domingo, 30 de novembro de 2008

IMPRENSALÃO SURFA NA TRAGÉDIA ALHEIA. MAIS UMA VEZ



ENCHENTES EM SANTA CATARINA


Carlos Castilho em 28/11/2008

A imagem de Ana Maria Braga vestindo um uniforme camuflado ao apresentar, na sexta-feira (28/11), seu programa desde Blumenau, não foi apenas um escorregão de mau gosto dos produtores do Mais Você. No meio de toda esta tragédia, ficou claro mais uma vez, que a mídia convencional não consegue livrar-se da obsessão pelo espetáculo.

Preocupação similar mostrou o repórter José Luiz Datena, da Rede Bandeirantes, que estava mais preocupado em destacar a ação dos helicópteros da FAB na ajuda aos desabrigados do que com as histórias dos desabrigados. Datena chegou ao absurdo de classificar como "linda" a cena de uma mulher grávida sendo carregada para um helicóptero militar.

O repórter da Bandeirantes, que chegou às zonas inundadas bem antes das estrelas da TV Globo, estava obviamente pagando o favor da FAB que o transportou nos helicópteros de ajuda. Mas ele não perderia nada se fosse menos exagerado nos agradecimentos, que acabaram ocupando o lugar daquilo que era o essencial na cobertura: a informação

Os deslizes e escorregões de repórteres durante coberturas de grandes tragédias são inevitáveis, dada a tensão e a emoção envolvidas no trabalho dos jornalistas. Mas os erros servem também para mostrar o tipo de cultura e de valores que orienta o comportamento dos repórteres e apresentadores.

É nesta questão que fica claríssima a diferença de enfoques entre os profissionais da mídia convencional e os blogs produzidos por amadores e free lancers. Enquanto os primeiros estavam preocupados com a sua apresentação, ou seja, na imagem projetada para o público, os blogueiros estavam mergulhados na tarefa de prestar serviços aos atingidos por aquela que já é considerada a pior enchente de Blumenau, uma cidade periodicamente afetada por inundações do rio Itajaí-Açu.

A competição entre a SBT, Record e Globo marcou a cobertura de cada rede. A Record, com seu estilo Indiana Jones, colocou o repórter Roberto Cabrini em cima de uma motocicleta para atravessar ruas alagadas em Itajaí e apresentar sua matéria no alto do morro que domina a cidade. As cenas de destruição e de sofrimento acabaram sendo coadjuvantes da performance de Cabrini.

Datena deu o seu show pessoal e aí a Globo acordou, vendo que estava mais uma vez sendo vítima do peso de sua estrutura e da falta de agilidade. William Bonner e Ana Maria Braga foram enviados para o Vale do Itajaí na quarta-feira (26) para marcar a presença da Globo, que é vitima de seu próprio gigantismo na hora de tomar decisões jornalísticas.

Suas concorrentes menores acabam se mostrando mais ágeis do que a emissora líder, que paga o preço de uma complexa estrutura na qual as pessoas acabam escravas de organogramas e onde não há autonomia dos escalões inferiores para tomar decisões em momentos de crise.

O caso das inundações na cidade de Nova Orleans, provocadas pelo furacão Katrina, em agosto de 2005, também pegou as três maiores redes norte-americanas de televisão no contrapé. Apesar das incríveis dificuldades, os blogueiros independentes entraram em campo formando redes de informação e de ajuda, muito antes das próprias autoridades. Os blogs do Katrina se transformaram num estudo de caso sobre a articulação autônoma de pessoas em momentos trágicos.

Em Blumenau e Itajaí, os blogs não chegaram a ser tão influentes e visíveis como em Nova Orleans, mostrando que a cultura da informação independente ainda se encontra num estágio inicial entre nós. Uma varrida aleatória sobre dez blogs que concentraram seu trabalho nas enchentes no vale do rio Itajaí mostrou claramente que a linguagem usada e o foco da informação eram dominados pela preocupação de passar informações capazes de minorar o sofrimento dos desabrigados e vítimas.

A campanha de donativos foi iniciada pelos blogs no domingo (23/11) quando um grupo de jornalistas de Blumenau criou o blog Alles Blau (Tudo Azul em alemão), num momento em que as dimensões da tragédia ainda eram uma preocupação local. Os blogueiros começaram publicando notícias captadas em rádios da região, em boletins das autoridades e informações de colegas de redações. Já no dia seguinte, os comentários de leitores já ofereciam informações mais atualizadas e detalhadas.

Em Itajaí, surgiu o blog Desabrigados , que passou a ser uma referência obrigatória para a população da cidade ao publicar listas de desaparecidos, dar os nomes das pessoas e dos locais onde estavam abrigadas, bem como disponibilizar um sistema automático no qual as pessoas interessadas inseriam os nomes de parentes e amigos para saber se já estavam em abrigos.

Os moradores de Itajaí passaram também a usar o blog para dar notícias a parentes e fazer pedidos de ajuda. Na quinta-feira (28), o site registrou pouco mais de 30 mil acessos num só dia. Neste mesmo dia, a RBS, a rede hegemônica no sul do Brasil, criou o blog Tragédia no Vale do Itajaí , para não ficar atrás dos independentes na cobertura dos desdobramentos das enchentes.

O jornalista Alexandre Gonçalves teve que interromper o seu blog Informe Blumenau na segunda-feira (24) porque seu apartamento foi inundado pela água e porque se integrou a uma rede independente de emissoras de televisão da região para cobrir a emergência. Antes disso, ele documentou hora a hora o crescimento do nível do rio Itajaí-Açu a partir do sábado, quando os moradores da cidade já se preparavam para o pior.

A rede de ajuda formada por usuários da internet inclui também o twitter (micro-mensagens transmitidas em tempo real para computadores e celulares com acesso à Web). Na página Blumenau foi possível acompanhar a frenética troca de mensagens entre voluntários e vitimas das enchentes.

Esta primeira grande experiência de uso de blogs e do twitter em situações de emergência no Brasil deixa uma lição. Em matéria de noticiário local e hiper-local (cobertura de bairros, ruas e condomínios), os blogs são imbatíveis pela sua agilidade, capilaridade e ubiqüidade, embora a credibilidade deva ser avaliada com cuidado.

A tragédia de Blumenau e Itajaí mostrou também o calcanhar-de-aquiles da mídia convencional, em especial a sua dificuldade em livrar-se dos vícios e cacoetes criados pela competição, guerra de audiência e pela sua insistência em valorizar mais a performance do que a prestação de serviços.

Fonte:Observatório de Imprensa.

Comentário.

Ô mulherzinha sem-vergonha!

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